Vez ou outra a gestão pública ambiental parece receber alguma revelação. A última foi a descoberta de que na Amazônia existem dois tipos de desmatamento e que a distância entre ambos é abismal: o desmatamento ilegal (que, hoje, não deveria existir) e o legalizado (que no futuro continuará existindo).

A despeito da “descoberta” do governo, todavia, não há nenhuma novidade aí. Não é exagero dizer que os envolvidos com as atividades do setor primário na Amazônia sempre tiveram conhecimento e sempre se aproveitaram do desmatamento ilegal.

A ocorrência legalizada do desmatamento, de outra banda, é o principal motivo a impedir que a Amazônia se livre dessa mazela – de longe, o maior problema ambiental da região e o maior empecilho ao alcance da sustentabilidade.

Ao que tudo indica, a ficha do governo caiu por ocasião das negociações que resultaram no acordo ambiental celebrado com os americanos, e que por sua vez foi preparatório para a COP 21 – conferência dos países associados ao sistema ONU a ser realizada em Paris em dezembro de 2015. A COP 21 decidirá sobre questões como a redução da quantidade de carbono lançada na atmosfera.

Pesquisas científicas demonstram que o desmatamento na Amazônia é uma das fontes do carbono que esquenta o planeta. Desnecessário dizer que os americanos esperavam uma atitude responsável e resoluta por parte dos governantes brasileiros.

A autoimposição de objetivos destinados a zerar certos índices indesejáveis é resultado do pragmatismo americano, e por lá esse objetivo foi alcançado no âmbito de temas bastante complexos – como o da violência em metrópoles.

Zerar o desmatamento na Amazônia, para o governo americano e para o mundo, é ponto imperativo, uma vez que a questão extrapola os assuntos domésticos. O fim do desmatamento, mais do que um compromisso nacional, é uma responsabilidade perante o planeta.

Acontece que, às vésperas da assinatura do acordo, os gestores brasileiros atentaram para um detalhe: o desmatamento simplesmente não poderia ser zerado. Inicialmente, os americanos chegaram a pensar que a dificuldade estava no prazo proposto, de 15 anos.

Jamais imaginavam que a resposta seria nunca. Não era o prazo que estava em discussão. Parece até uma charada, mas a verdade é que é possível zerar o desmatamento ilegal, inclusive antes de 2030, todavia, não é possível zerar o desmatamento na Amazônia, nem mesmo depois de 2030.

Correram os brasileiros a explicar o que todos já sabiam e que os americanos, provavelmente, tiveram dificuldade para entender. Que ao comemorar a queda na taxa de desmatamento, festejando cada redução anual e pulando de alegria quando essa taxa ficou abaixo dos 5.000 km2 em 2012, o governo, desde sempre, tentava o óbvio: apenas impelir a observância da lei, nada mais do que cumprir com a sua obrigação.

Há uma possível explicação para o declínio verificado na taxa de desmatamento nos últimos cinco anos – o fato de que, na faixa do Arco do Desmatamento e sobretudo no caso grande propriedade, toda a possibilidade de desmate legal já se exauriu, e isso ocasionou a tendência de queda. Contudo, sem embargo da força dessa tese, os gestores públicos não têm interesse na sua validação.

Por outro lado, a tese de que a nova dinâmica do desmatamento assume como vetor a pequena propriedade e é escudada pela legalidade também é válida, embora o governo não saiba como lidar com o desmatamento legal levado a cabo pelo agricultor familiar, sempre enaltecido e resguardado na esfera da gestão pública ambiental.

Uma coisa é certa. O desmatamento ilegal mais cedo ou mais tarde acaba, mas o legal, não. Portanto, nunca a floresta amazônica deixará de ser, todos os anos, desmatada.

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