Com preocupante vantagem de mais de 300 votos a favor, a Câmara dos Deputados aprovou o novo Código Florestal – a legislação que trata das florestas brasileiras. Ela prevê o equívoco de reduzir expressivamente a cobertura florestal existente no território nacional e, o mais grave, restringir o setor florestal a alguns produtos, como madeira e celulose, por exemplo.

Votada por mais de 400 parlamentares do lado dos pecuaristas, vinculados à Confederação Nacional da Agricultura, e menos de 70 do lado do setor florestal e dos ambientalistas, a nova legislação protege quem descumpriu a lei anterior, deturpa o conceito de Reserva Legal, e extingue a mata ciliar dos rios.

A anistia, conferida aos inadimplentes – e que é inconcebível, diga-se, num capitalismo que aspira se consolidar como a quinta economia mundial – institucionalizou a impunidade. A lição a ser discernida é que quem cumpre a lei e se preocupa em andar na legalidade são apenas os tolos – os abestados, como se costuma dizer na Amazônia -, já que as leis são mesmo feitas para ser descumpridas, e, no final das contas, os transgressores sempre são recompensados.

As áreas de Reserva Legal, de outra banda, foram convertidas em transtorno, estorvo e empecilho para a produção (obviamente, o tipo de produção rural que não admite a existência de florestas), quando, na verdade, o conceito de Reserva Legal tem natureza econômica: a sua finalidade é a diversificação da produção rural, redução dos riscos de perdas nas safras baseadas em monoculturas, e agregação de valor.

A área de floresta garantida pela Reserva Legal tinha função produtiva, na medida em que poderia ser manejada com vistas à produção de madeira (o que vem ocorrendo largamente no Acre, por exemplo), à produção de carne e derivados de animais silvestres e, o melhor, para acesso aos modernos mecanismos de ressarcimento pelos serviços ambientais prestados pelas florestas.

Mas, tudo isso acabou; é passado, já que, a partir de agora, não há mais que se falar em florestas conservadas nas propriedades rurais da Amazônia. E, não obstante, essa nem é a pior notícia.

Provavelmente, situa-se nas implicações sobre a água o efeito mais perverso da nova legislação aprovada pelos temerários parlamentares brasileiros. Ao se abolir (pois, a despeito de toda a maquilagem, o que se pretende é isso mesmo) a exigência de mata ciliar – cuja finalidade é a conservação dos recursos hídricos presentes nos rios e igarapés – põe-se em risco o abastecimento d’água em áreas urbanas.

A consequência é inequívoca – água mais cara para pagar-se a inevitável canalização. Ora, canalizar rios significa preencher o leito com concreto armado, a fim de que a vazão seja mantida, evitando-se excesso de turbidez e assoreamento, decorrentes, por sua vez, do solo arrastado para o rio, ante a ausência da mata ciliar.

Ainda há esperanças, todavia. No Senado – onde a norma legal oriunda da Câmara deve ser aprovada sem alterações – as discussões costumam se dar num plano superior, observando parâmetros científicos e estratégia de país. Afinal, os senadores representam os interesses dos 27 Estados brasileiros; o que se espera, portanto, é que sejam movidos por ideais mais elevados que meros interesses eleitoreiros.

Em que pese o desânimo generalizado em face da grande diferença de votos, os senadores não devem se intimidar; ao contrário, precisam demonstrar coerência e acuidade, e o melhor começo é dar ouvidos aos cientistas. A Ciência tem alertado veementemente o país em relação aos perigos presentes no novo código.

O argumento da segurança jurídica, tanto usado pelos deputados para destruição das florestas, não tem cabimento. A segurança jurídica diz respeito à titulação das terras (ou ausência dela) – questão que vem sendo enfrentada pelo programa Terra Legal.

O que deve ser motivo de reflexão é o legado já de pronto originado pela nova legislação: um (enorme) punhado de florestas a menos. Que negócio estranho, esse…

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