Não há argumento econômico que justifique o abandono da madeira como matéria-prima para a construção de moradias nas cidades da Amazônia; tampouco há argumento ecológico e, muito menos, social.

Sendo assim, em bom português, por que raios bairros (urbanizados, diga-se) erigidos em madeira não são realidade nas capitais da região?

A notícia que inspirou este artigo veio da Prefeitura de Amsterdã, na Holanda, que aprovou projeto direcionado a assentar, naquela cidade, um bairro inteiramente constituído por edificações em madeira. Por inteiramente, entenda-se: tudo mesmo!

O objetivo é construir pelo menos 10 blocos de apartamentos, destinados a abrigar mais de 2.000 pessoas, além de equipamentos como escola e posto de saúde, para atendimento desse contingente populacional – e tudo em madeira.

O que está por trás dessa auspiciosa decisão é a urgência imposta aos países signatários do Acordo de Paris para cumprimento das metas ali pactuadas. Por sinal, desde 2020, por determinação legal, é obrigatório o emprego de no mínimo 20% de madeira nas novas obras levantadas na capital holandesa.

Ainda há quem não entenda, mesmo entre os ativistas ambientais, as razões pelas quais o uso da madeira na construção civil é considerado opção de tecnologia limpa e, o melhor, que atende aos anseios mundiais por uma economia de baixo carbono. Fácil explicar.

Não se pode deixar de reconhecer, primeiro, que a engenharia civil brasileira é intensiva no dispêndio de energia – ou, como preferem os ambientalistas, apresenta altíssima taxa de pegada de carbono.

Ocorre que a infraestrutura nacional é inteiramente baseada na utilização de matérias-primas procedentes de jazidas, tais como aço, brita, areia, barro, e a mais suja, cimento. Em outras palavras, o país explora, de maneira acentuada, seus recursos naturais não renováveis – que um dia vão se esgotar – e, ademais, tem um gasto exorbitante de energia na extração, beneficiamento e transporte desse material.

Para se ter uma ideia aproximada dos substanciais custos envolvidos, basta imaginar o dispêndio em logística necessário para tudo isso chegar a regiões mais distantes, como a Amazônia, e a lugares longínquos, como o Acre.

Cálculos da ONU publicados em 2020 dão conta que 38% de todo o volume de CO² produzido pelo setor de energia vem da construção civil – que só no ano de 2019 gerou a absurda soma de 9,95 gigatoneladas de gás carbônico no mundo.

Enquanto as jazidas não são renováveis e originam quantidade intolerável de carbono, a madeira, por sua vez, é matéria-prima renovável – ou seja, não se exaure, eis que novas árvores substituirão aquelas derrubadas para o suprimento desse produto, num permanente ciclo de renovação –, apresentando, ademais, balanço negativo de pegada de carbono.

Significa afirmar que o total de CO² gerado é menor do que o retirado da atmosfera. Com efeito, por um lado todo o carbono sequestrado por uma árvore fica retido no imóvel (ou no móvel) fabricado com a madeira dela extraída; e por outro, uma nova árvore passa a crescer dentro da floresta, no mesmo lugar da que foi derrubada e virou casa, continuando a prestar o serviço ambiental de retirada de carbono dos céus.

Toda a renda e trabalho suscitados por esse ciclo virtuoso, que envolve desde o manejo da floresta para fornecimento das árvores, inclui a transformação das toras em tábuas, vigas etc., e vai até a conclusão da obra em madeira, inserem-se no âmbito da chamada economia de baixo carbono.

Aqui, não se fala em desmatamento, mas em manejo de florestas – ou, melhor dizendo, em produção sustentável, que gera riqueza ao tempo em que promove a conservação e a valorização da biodiversidade florestal.

Voltando à Holanda, como o país não conta com áreas florestais que aprovisionem madeira suficiente à concretização do empreendimento urbanístico, terá que arcar com os vultosos custos relacionados à importação dessa matéria-prima.

Aos olhos dos holandeses, o sacrifício é necessário para honrar os compromissos assumidos perante o Acordo de paris – o que redundará em benefícios compensatórios à nação e, por óbvio, ao planeta.

Não deixa de ser uma lição para os brasileiros, em especial os amazônidas – que, diversamente, têm à sua disposição a maior floresta tropical do mundo, contudo, e de modo inexplicável, conferem absoluta primazia às obras em alvenaria.

Diante da abundância de matéria-prima disponibilizada pela floresta e do nível de desenvolvimento tecnológico alcançado pela engenharia florestal brasileira, reitere-se, não há razão econômica para a madeira não ser priorizada pelo setor de construção civil na Amazônia.

Também não existe razão ecológica, uma vez que as árvores, como dito, ao crescerem, retiram carbono da atmosfera e ao mesmo tempo revigoram e revitalizam a biodiversidade florestal. Vale dizer, a renovação trazida pela derrubada das árvores (por meio da aplicação da tecnologia do manejo florestal) é medida benéfica.

Finalmente, pelo lado social, o déficit habitacional que persiste na região é razão suficiente a justificar a edificação em larga escala de moradias em madeira.

Seguir os holandeses seria atitude correta e sensata, mas, convenhamos, para quem repudia a madeira e aceita a criação extensiva de boi, é difícil enxergar isso.    

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