“Salve brenhas do Morro Queimado, que os suíços ousaram varar”, exalta o hino de Nova Friburgo, a cidade carioca mais castigada pelos desbarrancamentos e alagações, na versão 2011 dos trágicos verões brasileiros. Em 2010, havia sido a vez de Angra dos Reis e Niterói, em 2009, de Santa Catarina (ou ao contrário), e assim por diante.

As causas apontadas pelas autoridades públicas são sempre as mesmas: choveu em algumas horas mais do que normalmente chove em um mês. Joga-se a culpa em São Pedro – que, diz o povo, é o ente celestial responsável pela meteorologia -, quando, na verdade, normalidade é uma exceção, e não regra, nesses tempos de mudanças climáticas.

Ou, então, justifica-se que as moradias são construídas em áreas de risco, à revelia das administrações municipais. Nesse caso, a culpa recai sobre os habitantes – que teimam em correr riscos -, quando, na verdade, as prefeituras (pelo menos a maioria) não conseguem organizar o espaço urbano, refazem os planos diretores quase que a cada gestão e, o pior, estão sempre mais preocupadas em garantir votos que usar do poder de polícia para não permitir a ocupação de áreas “non aedificandi”.

O caso especial de Friburgo apresenta mais três variáveis que devem ser consideradas para se ter uma idéia mais precisa das causas da tragédia. Em primeiro lugar, a cidade está localizada num vale cercado de montanhas. Um vale fértil, que recebe matéria orgânica proveniente dos morros, de acordo com a mudança de estações – sendo maior o depósito na alternância do verão para o outono.

A região é formada por belas paisagens, e possui a beleza cênica típica dos vales montanhosos. Teria elevado potencial agrícola, desde que não se tivessem cultivado os morros – justamente o que ocorreu: salvo uma ou outra moita, não há mais vegetação nativa nos morros de Friburgo. A mata atlântica deu lugar a uma pecuária de baixa produtividade e altíssimo grau de degradação.

A segunda variável importante surgiu na década de 1970, quando alguns planejadores cariocas – muito equivocadamente, diga-se – tiveram a infeliz ideia de transformar o vale fértil e aquela linda paisagem num grande distrito industrial baseado nos setores têxtil, de couro e metalurgia – manufaturas com descomunal potencial poluidor e, novamente o pior, que dependem de abundante mão de obra.

Assim, grande contingente de trabalhadores, remunerados a maior parte com salários próximos ao mínimo, instalou-se na cidade. Aos operários restou construir suas respectivas moradias nos morros – únicos lugares onde ainda havia espaço, uma vez que a parte plana do vale já estava ocupada pelas classes média e alta.

As indústrias – falidas no final da década de 1980 – legaram à cidade um desafortunado saldo de desempregados, deixando-a à mercê da própria sorte, uma vez que o município não consegue estruturar nova atividade produtiva (como o turismo, por exemplo) que sirva de âncora para a sua frágil economia.

A terceira e última variável diz respeito à recorrência do fato. Todo friburguense, n’algum momento, já ouviu falar da tal tromba d’água: um evento climático que iria sobrevir mais cedo ou mais tarde, e que poderia se transformar em calamidade se a cidade não estivesse preparada. Como de fato sobreveio e como de fato se converteu em tragédia.

Adicione-se ainda a essas variáveis uma sucessão de administradores públicos que ocuparam a prefeitura sem condições técnicas para pensar o futuro da cidade. Pronto, estão aperfeiçoadas as condições propícias para as calamidades advirem e se repetirem.

“O Bengalas, sereno, desliza, sob o olhar do Cruzeiro do Sul…” continua o hino.

O Rio Bengalas e Friburgo deslizaram morro abaixo, sob o triste olhar do país…

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