Embora seja inquestionável que a população já não tolera as queimadas, não deixa de ser inegável, de outra banda, que os governadores não conseguem resolver o problema.

Relacionar uma mazela social à incapacidade estatal para encontrar uma solução não é nenhuma novidade, mas no caso específico do uso do fogo na Amazônia há um agravante perigoso: o tempo.

A limpeza do solo para plantio de capim por meio da técnica agrícola da queimada é uma realidade na Amazônia desde o início da ocupação produtiva em grande escala que teve lugar na região a partir da década de 1970, em especial a realizada ao longo do eixo de desenvolvimento representado, no caso do Acre, pela rodovia BR-364.

Difícil precisar uma data, contudo, a quantidade de fumaça oriunda dos focos de calor passou a ser objeto de estudo nos idos de 1998, com o início das medições anuais pelo Inpe.

Diante da escalada assumida pelo nefasto binômio desmatamento-queimada, o primitivo método consistente em atear fogo numa quantidade expressiva de árvores chamou a atenção para a insensatez econômica do modelo de desenvolvimento baseado na pecuária.

Claro que essa insensatez econômica não foi suficiente para forçar uma decisão dos governadores no sentido de pôr fim às queimadas.

As implicações do fogo para a aniquilação da fauna terrestre e da microfauna presente no solo, bem como o estreito vínculo existente entre fumaça, efeito estufa, aquecimento do planeta e mudanças climáticas demonstraram a insensatez ambiental desse modelo.

Claro que essa insensatez ambiental não motivou a reação dos governadores para coibir, de vez, o uso do fogo.

Quando crianças e idosos com infecção respiratória aguda passaram a lotar os hospitais, restou evidente que também sob o aspecto social o expediente empregado pelos criadores de boi para ampliação de pastos é insensato e altamente pernicioso.

Durante os meses de agosto e setembro, quando as queimadas chegam ao pico e a fumaça cobre o céu, os transtornos para a população incluem fechamento de aeroportos, sensação de abafamento e potencialização do calor, além da convivência diária com a fuligem que invade as casas.

Claro que a insensatez social não convenceu os governadores a impor moratória para o licenciamento das queimadas, em especial a realizada em pasto formado.

No intuito de discutir, por um lado, as intoleráveis implicações das queimadas e, por outro, os parcos ganhos que esse procedimento traz aos produtores, estes articulistas, entre 2005 e 2010, publicaram uma série de artigos, como parte de uma solitária campanha denominada “Para o Acre não queimar em 2010”.

Não é preciso dizer que a campanha foi um fracasso, todavia, é desalentador perceber que, passados 10 anos, continuamos a conviver com os malefícios causados por essa prática tão bárbara.

Principalmente quando se constata que a argumentação usada na campanha, de que o uso do fogo poderia ser dispensado sem maiores consequências para a produção rural do Acre, se provou irrefutável.

Lamentavelmente, a insensatez econômica, ambiental e social que consente o fogo e a fumaça permanece.

O licenciamento da queimada – como se algo normal fosse – segue se perpetuando no tempo.

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