Duas pseudoverdades são reiteradas todas as vezes em que – em reuniões, debates, conferências e outros eventos promovidos pelo governo ou pela sociedade civil – se discute o controle ou a proibição da prática da queimada no Acre.

Essas falsas premissas se referem às alegações de que: (a) o produtor não dispõe de dinheiro para mecanizar; e (b) ele precisa queimar para matar a fome.

Acontece que nenhuma das duas se sustenta, sendo refutadas pelas evidências científicas. Basta dizer que mais de 70% das queimadas anualmente realizadas em território estadual se destinam à renovação de pastos “velhos”.

Ou seja, de regra, o emprego do procedimento não se dá na agricultura nem tampouco para a abertura do primeiro roçado (o que seria o caso, fosse válido o argumento de que o produtor queima para comer), e sim no contexto da pecuária e em pastos já instalados, utilizados e consolidados.   

A ausência de embasamento, todavia, não impede que ambas as asserções repercutam na imaginação da população urbana do estado. A despeito de não manter vínculo com o setor primário, essa população, sabe-se lá por que razões, idealiza o pequeno produtor rural como um tipo que precisa de muito apoio, pois vive isolado, cheio de filhos, passando necessidade – e, ainda assim, sabe-se lá de que maneira, configura peça-chave para o crescimento econômico do Acre.

Um raciocínio um tanto torto, decerto, pelo qual fica subtendido que a produção rural é precária por falta de apoio do governo, contudo, se o produtor puder desmatar e queimar à vontade, o Acre se tornará próspero e rico.

Sob tal abstração, as queimadas vêm sendo toleradas, como se fossem um mal necessário, um sacrifício que os cidadãos têm de fazer – e se dispõem a fazê-lo! – em nome de um suposto (e inalcançável) desenvolvimento econômico a ser promovido pela atividade agropecuária.

Entretanto, estamos na segunda década do século 2021. Sendo bastante indulgente, pode-se afirmar que há pelo menos 30 verões, todos os anos um volume absurdo de fumaça encobre o céu e toma conta da atmosfera entre os meses de julho e setembro – o que leva a temperatura a atingir limites insuportáveis e, ademais, causa infecções respiratórias, arruína a qualidade de vida e mortifica o cotidiano dos habitantes das cidades, para ficar apenas nas implicações sociais.

É razoável que se indague, portanto, em primeiro lugar: qual o prazo para o estado chegar à prometida e esperada prosperidade?

E em segundo: por mais quanto tempo a queimada, conduta tão primitiva que remonta ao século XVII, continuará a ser consentida e a causar tanto mal? 

Se por um lado é infundada a justificativa de que o produtor queima por necessidade, por outro, inúmeras pesquisas comprovam a discrepância entre os altos custos (sociais, econômicos e ambientais) decorrentes das queimadas e os parcos benefícios gerados.

Ou seja, existe base científica suficiente a motivar a erradicação desse malefício da realidade rural do Acre.   

Mas é aqui que entra o “se o governo quiser” do título.

Desde que foi decretada a moratória das queimadas em todo o país, suspendendo, com algumas exceções e prazo inédito de 120 dias, o licenciamento do uso fogo na atividade agropecuária, os governadores da Amazônia estão, como se costuma dizer, com o guiso no pescoço.

Esperava-se uma resposta na mesma dimensão daquela medida, mas as gestões estaduais permaneceram inertes, sob o cômodo juízo de que o assunto das queimadas é coisa para o governo federal.

No Acre, o corolário dessa falta de ação não poderia ser diferente. No dia 20 de agosto completaram-se 5 meses seguidos em que o número de queimadas superou a média (em relação aos registros de abril, maio, junho, julho e agosto) apontada por 24 anos de medições.

Todas as vezes que são ou foram pressionados a proceder de forma enérgica, coibindo definitivamente as queimadas – um encaminhamento possível do ponto de vista científico e demandado pela sociedade –, os gestores ambientais do estado (ao menos nos últimos 30 anos) usaram o pretexto da fome do produtor.

Repetiram tanto essa desculpa que fica parecendo que realmente acreditam que existem 50 mil pessoas passando fome na zona rural do Acre, e que por isso ateiam fogo na terra ano após ano; ou que o produtor que queima pasto consolidado não tem ao seu alcance um trator sequer, seja adquirido por ele próprio, seja cedido pelo governo, pela prefeitura, pelo sindicato, pela cooperativa – a fim de arar o solo, ao invés de incendiá-lo.

Nem tudo está perdido, porém. A julgar pela pressão internacional que impacta o agronegócio brasileiro, o fim das queimadas no Acre será ditado pelo mercado.

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