Ao que tudo indica, foi fácil aos últimos governos negar o marco legal aprovado na década de 1990 para regular a atuação das organizações da sociedade civil que prestam serviço público; difícil, contudo, foi propor algo melhor ou mais contemporâneo.

Para entender melhor. Após o fim do regime militar, no final da década de 1980, o país ferveu com a sensação de liberdade: o desejo da população era participar de discussões envolvendo a elaboração e execução de políticas estatais. Todos, em especial os beneficiários, queriam ser ouvidos.

Um conjunto variado de entidades surgiu para dar voz à sociedade e reivindicar a criação de conselhos e outros espaços públicos de participação. Essas organizações receberam denominações diversas, tais como organizações do terceiro setor e organizações não governamentais.

Ainda que, em última análise, essa designação se refira especificamente às entidades que embora de direito privado prestam um serviço considerado público, a sigla ONG passou a acomodar toda espécie de sociedade civil sem fins lucrativos, incluindo sindicatos e associações de classe. Até hoje, a definição mais simplista considera ONG tudo que não seja estatal (de governo) ou empresarial (de mercado).

Sem embargo dessa generalização indevida, o fato é que não demorou para que aquele tipo de organização passasse a ser imprescindível para a execução das políticas públicas. Atualmente, programas na área de educação, saúde e meio ambiente, só para citar os mais expressivos, dependem dessas entidades para atingir seus objetivos.

Também não demorou a surgirem denúncias envolvendo desvios de recursos públicos, o que suscitou a demanda por uma legislação específica para tratar da relação entre as ONGs e o Estado.

Por meio da Lei 9.790/99, promulgada no âmbito do Programa Comunidade Solidária, o governo federal instituiu o marco legal das ONGs, disciplinando a aplicação de recursos públicos por essas entidades, que passariam a se qualificar (desde que preenchidos os requisitos legais) como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Oscip. A lei introduziu ainda o Termo de Parceria (em substituição aos convênios), como mecanismo de repasse de recursos públicos à Oscip.

A despeito de torcer o nariz para o marco legal de 1999 (decerto por ter sido aprovado sob a tutela do PSDB), o governo eleito a partir de 2003 não conseguiu avançar em algo semelhante, tampouco mais apropriado.

Finalmente, fez aprovar em 2014 a Lei 13.019, que não inovou em quase nada, tendo se limitado a impor a designação OSC (Organização da Sociedade Civil) e a instituir as figuras do Termo de Fomento (a ser proposto pela OSC) e do Termo de Colaboração (a ser proposto pelo Estado), em substituição ao Termo de Parceria da legislação de 1999.

Repleta de desvios nitidamente discriminatórios – como a proibição de a OSC remunerar sua diretoria e a obrigatoriedade de oferecer contrapartida financeira equivalente aos recursos públicos recebidos, apesar de não ter fins lucrativos – a norma não durou sequer um ano.

Por meio da Lei 13.204/2015, o governo desfez ou refez o que não conseguiu fazer no ano anterior nem nos 12 anos precedentes. Foi mais do mesmo, para usar o jargão do último pleito eleitoral.

Previsto para valer somente a partir de 2017, aos que esperam que esse “novo” marco legal organize a relação entre OSC e Estado, um conselho: melhor esperar sentado.

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