Poderia ser o contrário, mas não é.
Na região que abriga o bioma onde ocorre a maior quantidade e diversidade de espécies de madeira do mundo, o plantel de gado aumenta todos os anos, a despeito da consequente ampliação do desmatamento.
Enquanto isso, do outro lado do globo, a empresa japonesa Sumitomo Forestry vai construir, em plena Tóquio, uma das superfícies mais valorizadas do planeta, um edifício de 70 andares, todo em madeira (e aço).
O prédio de madeira alcançará 350 metros de altura e será ocupado por lojas, escritórios, hotel e apartamentos residenciais. O projeto prevê ainda a instalação de jardins em todos os 70 andares, inclusive com o plantio de árvores.
A ideia é metamorfosear a tradicional paisagem de concreto armado, característica do espaço urbano de Tóquio, mediante a introdução de um ecossistema vegetal, como forma de atrair para dentro da cidade maior concentração de pássaros e insetos – abelhas, por exemplo, espécie que se encontra ameaçada no mundo.
Com a construção e o funcionamento regular do empreendimento, os japoneses pretendem alavancar o surgimento de inovações num novo campo tecnológico, denominado como “Prédio Verde”.
Mesmo sendo mais caro, uma vez que o custo foi estimado em 600 bilhões de dólares, o que equivale ao dobro do valor de uma construção convencional em concreto, o emprego de madeira em 90% do arranha-céu (outros 10% correspondem a estruturas de sustentação em aço) se justifica pela adequação aos ideais de sustentabilidade.
O término da construção e a consequente inauguração do edifício estão programados para 2041. Significa mais de 20 anos de investimentos por parte de investidores do mercado imobiliário (para nós, é até estranho o negócio não envolver nenhuma empresa estatal).
Estima-se que os 70 andares consumirão o equivalente a 185 mil metros cúbicos de madeira, número impressionante para a realidade japonesa; entretanto, apenas como simples análise comparativa, diga-se que no Acre, em 2015, foram produzidos 285.313 metros cúbicos de toras de madeira.
Desculpem, mas chegou o momento daquela perguntinha inconveniente. Considerando-se que a vocação produtiva do Acre e da Amazônia reside na exploração de sua diversidade florestal, e que a madeira desponta como a matéria-prima mais valiosa dessa biodiversidade, o que leva o uso da madeira a ser incentivado no Japão e não por aqui?
A resposta é bem mais simples do que se imagina: a política pública.
Ainda em 2010 o Japão aprovou regulamento intitulado “Lei de Promoção do Uso da Madeira em Edifícios Públicos” (em tradução tosca para o português).
Nos termos estabelecidos pela norma, os órgãos públicos devem funcionar em prédios de até 3 andares, construídos integralmente em madeira. É evidente que toda a madeira empregada é originária de árvores plantadas especificamente para emprego na construção civil.
Enquanto isso, na Amazônia em geral, e no Acre em particular, a política pública fornece crédito subsidiado para o cultivo de pasto, compra de matrizes de gado e promoção da atividade pecuária, sem levar em conta o óbvio: tudo isso é causa de desmatamento.
Para resumir, cidades que se ajustam ao Acordo de Paris constroem prédios de madeira, estados indiferentes continuam criando vacas.