Os amigos o chamavam carinhosamente de Luiz Maluco, entre outras razões, por conta das incríveis teorias (algumas com viés conspiratório) que ele engendrava.

Uma delas ele concebeu ao ouvir, nos idos da década de 1980, no antigo programa de mensagens da Rádio Difusora, diversos avisos com conteúdo parecido – a nova geração de seringueiros conclamando familiares a vender suas colocações e vir embora para a cidade. Tipo assim:

Atenção, Maria Aparecida, conhecida por dona Cida, na Colocação Oco do Mundo, Seringal Vai Quem Quer, seu filho Diolindo avisa que passa bem, graças a Deus, a vida na cidade é muito boa, já conseguiu trabalho e já fechou negócio na compra de uma casa. Pede que venda as criações e a colocação com as estradas de seringa e venha logo com os meninos para se encontrar com ele em Rio Branco.

Pois bem. Diante do enredo aproximado e algo idealizado dessas mensagens, Luiz chegou à conclusão de que tudo não passava de invenção – uma artimanha dos pecuaristas, no intuito de convencer a população, tanto a urbana quanto os próprios extrativistas, que a vida no seringal era muito ruim e que o desmatamento e o plantio de capim eram imperativos para o desenvolvimento econômico do Acre.

Ele mesmo chegou a pagar veiculações na Difusora com o propósito de desestimular o abandono das colocações de seringa e, desse modo, sabotar a suposta conspiração: Atenção, dona Cida, na Colocação Oco do Mundo, seu filho Diolindo pede que a senhora espere por ele, não venda nada, pois ele está desempregado, passando necessidade e vai voltar para o seringal, a vida aí é muito melhor.

Conspiração ou não, Luiz estava duplamente certo.

Primeiro, porque a pecuária se impôs, e hoje a sociedade convive com permanentes taxas anuais de destruição florestal como se fosse um mal necessário, uma exigência para um progresso que nunca chegou.

Segundo, porque o extrativismo segue sendo, em última análise, o principal referencial para o futuro da economia no Acre e, o mais importante, para a conservação da floresta. Não à toa o modelo de desenvolvimento ancorado na exploração sustentável da biodiversidade florestal obteve prêmios e reconhecimento no mundo inteiro e foi aprovado pelos países que firmaram o Acordo de Paris em 2015.

Tive o grato prazer de trabalhar com Luiz Carvalho na Floresta Estadual do Antimary em 1989, pela Funtac, ocasião em que nos dedicamos a uma das primeiras pesquisas a levantar indicadores sociais e econômicos a respeito da realidade vivenciada nos seringais locais. Aquela teoria da conspiração não foi por acaso. Ele conhecia a fundo o tema.

Depois e por bem mais tempo estivemos juntos na fase mais produtiva do CTA (entidade do terceiro setor pioneira no estado), ao longo da década de 1990. Foi nessa época que passamos a discutir, com uma ruma de gente, a saída econômica pela floresta. Um embrião do que veio a ser o tal Florestania, projeto encampado pelo governo que se iniciou em 1999. 

Por sinal, Luiz foi um dos poucos a criticar o amplo deslocamento de pessoal que então ocorreu das ONGs para o setor público, já que grande parte dos profissionais que atuavam no âmbito não governamental (e que transformaram o Acre numa referência na Amazônia nessa área) passou a integrar a equipe do novo governo.

Unimos forças novamente na empreitada do Projeto Aquiry, uma tentativa de estruturar uma coligação de ONGs com a finalidade de captar recursos financeiros de maneira coletiva e inédita.

Mais que indigenista, historiador, jornalista, Luiz Carvalho era um pensador. Daquela cachola saiu muita coisa boa.

Luiz se foi no dia 30 de janeiro último, aos 74 anos. Estava morando em Botucatu-SP. Deixou dois filhos, Pedro e Ana.

Faça a passagem em paz, amigo.

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