A expectativa em torno do envolvimento direto das comunidades na concepção, elaboração, negociação e execução de ações de políticas eram bem maiores do que o que se conseguiu. O ideal do Projeto Participativo, que empolgou técnicos e pesquisadores na década de 1990, esbarraram logo de início, em obstáculos difíceis de serem transpostos.

Mas, independente dos obstáculos, os engajados entusiastas acharam que era possível se chegar à gestão coletiva de empreendimentos, inclusive os industriais. Com o forte argumento de que os produtores poderiam tomar para si todos os meios de produção, justificou-se a verticalização das cadeias produtivas e gestão comunitária nos seringais da Amazônia.

Usinas de borracha e castanha-do-Brasil foram instaladas em várias áreas de florestas, sobretudo nas recém criadas Reservas Extrativistas, em toda a Amazônia. Sob a chancela do Ministério do Meio Ambiente e, em sua maioria com recursos financeiros a fundo perdido originados da cooperação internacional, as usinas foram recebidas como o passo decisivo para que os extrativistas adquirissem sua autonomia social, econômica e, mais que tudo, política.

Por sinal, o imperativo político sempre teve maior peso nas decisões a serem tomadas acerca dos investimentos para viabilização das usinas. O produtor, que já vinha se debatendo com o funcionamento do Sindicato, sua primeira estrutura coletiva, e com a Cooperativa, sua segunda estrutura, teria agora que gerenciar uma Fábrica, sua terceira estrutura comunitária.

Evidente que, ao transitar em um ambiente pouco familiar, como o de uma fábrica, e tendo que abrigar as demandas políticas, os produtores deixaram os acordos comerciais, com os fornecedores e compradores, relegados à condição de ausência de prioridade.

Desta feita os contratos comerciais foram submetidos a uma agenda política farta, pois envolvia as eleições internas dos sindicatos, das associações e da própria cooperativa. Eleições em níveis estaduais e nacionais das entidades de representação dos trabalhadores rurais como as federações, confederações e conselhos. Eleições municipais, estaduais e nacionais para os parlamentos e executivos. E, por fim, eleições no interior dos próprios partidos políticos.

Mais grave ainda. Mesmo quando o contrato comercial previa toda essa agenda política, mesmo quando os agentes econômicos aceitavam por alguma sensibilidade ou pelo marketing que a causa atraía, os imprevistos de ordem organizacional impediam as entregas, fossem de qualquer quantidade a serem colocadas até mesmo no portão da usina.

Não honrar contratos comerciais firmados sob uma agenda que a própria fábrica sob gestão comunitária empunha aos agentes de mercado, parecia algo inadmissível. A falência seria inevitável. Foi o que ocorreu.

Primeiro em nível local, quando os potenciais compradores da produção, como, por exemplo, as prefeituras que queriam usar a castanha na merenda escolar, ou ainda outras empresas que usariam a borracha e a castanha, saída da usina, para confecção de produtos mais especializados. Guardadas as proporções, o mesmo aconteceria em nível regional, nacional e internacional.

Como não se viabilizaria segundo as regras de mercado as usinas da gestão comunitária precisavam sempre, de um novo capital de giro. Um capital de giro que, por um período não inferior a dez anos, não girou. Ano após ano, um novo convênio com órgão público ou uma nova doação internacional, recuperava o capital de giro deteriorado na gestão comunitária do ano anterior.

Diversas são as fragilidades que explicam esse insucesso da gestão comunitária nas usinas. Sem embargo de nenhuma delas, a percepção inicial do produtor de que se tratava de uma estrutura para conquista de espaço político, como o sindicato e a cooperativa, compromete até hoje a gestão comunitária dessas usinas.

É inegável a importância e o significado político dessas usinas como ícones do produtor liberto, que tomaria todos os meios de produção em suas próprias mãos. Mas, infelizmente, a gestão comunitária das usinas na Amazônia, salvo raríssimas exceções, ainda não vingou.

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