Responsabilizar os extensionistas, ou a ausência de extensão rural pelo primitivismo existente na produção agropecuária na Amazônia é, no mínimo, uma injustiça. O profissional da extensão vive, no seu cotidiano de trabalho, um dilema permanente, desdobrando seu tempo entre a extensão, a assistência técnica e a fiscalização de crédito.

Tudo começa com a distância conceitual que existe entre as atividades de extensão rural e de assistência técnica, da qual poucos se dão conta. Enquanto o extensionista deveria se ocupar em levar ao produtor inovações tecnológicas, o assistente técnico precisa ajudar o produtor a resolver algum problema relacionado a uma tecnologia já consolidada ou amplamente adotada pelos produtores. Mas, a despeito da importância dessa distinção, a maioria a rotula como mero preciosismo acadêmico.

Como não há coisa ruim que não possa piorar, tudo fica bem mais confuso quando o assistente técnico, que já é extensionista nas horas vagas, é obrigado pelo órgão em que trabalha a atuar como fiscal de crédito.

Ocorre que o sistema de crédito adotado no país, em especial o direcionado ao apoio da agricultura familiar e ao pequeno produtor florestal, tem no Programa Nacional de Agricultura Familiar, o Pronaf, sua principal referência. A maior parcela de recursos colocados à disposição do produtor é, de longe, oriunda do Pronaf.

Todavia, o crédito via Pronaf é operacionalizado por agentes financeiros como o Banco do Brasil e, para o caso da Amazônia, o Banco da Amazônia (que não quer mais ser chamado de Basa). São esses agentes que se responsabilizam perante o Fundo Constitucional do Norte, o FNO, pelo pagamento dos créditos obtidos pelo produtor. Vale dizer, se o tomador do crédito não pagar, o banco se responsabiliza pela dívida.

Como capital e banco não podem correr riscos, ou melhor, procuram correr o menor risco possível, o sistema paga 3% do valor financiado para a fiscalização do crédito. O dinheiro sai do próprio crédito tomado pelo produtor e é pago por ele. Ou seja, no final das contas, quem paga ao fiscal do crédito é o próprio produtor.

Talvez seja um das poucas situações no mundo em que se paga para ser fiscalizado, mas como já disse Euclides da Cunha que o seringueiro realizava a maior anomalia que o capitalismo engendrou – a de trabalhar para escravizar-se -, já devemos estar acostumados a anomalias capitalistas várias.

Mas a história não acaba aí; fica pior, claro. O banco retira de cada crédito aprovado o equivalente a 3%, que deposita na conta da instituição responsável pela fiscalização do crédito. No caso da Amazônia, essas instituições são as Secretarias Estaduais de Extensão Rural, ou suas congêneres.

Muito bem, chegamos ao cerne da questão. Acontece que é justamente nessa instituição responsável pela extensão e pela assistência técnica que trabalham os técnicos que vão incluir em suas atividades a fiscalização do crédito.

Uma vez que, dessas três atividades, a única que gera recursos é a fiscalização de crédito, sendo que a extensão e assistência técnica – públicas e gratuitas – não trazem retorno financeiro para manter a rotina do órgão, pagar as diárias dos técnicos e o material de apoio para extensão, somente para citar alguns exemplos, os técnicos terminam mesmo por ocupar a maior parte do seu tempo com a fiscalização do crédito.

Ora, nesse emaranhado administrativo desconexo e sem objetivos (ou com objetivos turvos), uma atividade como a extensão rural – crucial para elevar a produtividade da produção rural, ou agregar-lhe maior valor, ou ainda melhorar a renda do pequeno produtor – jamais poderá cumprir com a demanda, ou a canga, para usar uma linguagem de produtor, que a sociedade lhe impõe.

A constatação é clara: extensão rural nunca será prioridade enquanto o extensionista for, de fato, fiscal de crédito.

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