Lançado durante a COP 27 (Conferência das Partes da ONU para a Convenção do Clima realizada no Egito em 2022) o Plano de Bioeconomia do Pará estabelece uma nova estratégia para o crescimento, sem desmatamento, da maior e mais diversificada economia da Amazônia.
Com indicadores de destruição da floresta que assustam, sobretudo a partir de 2019 quando se desmatou 4.172 Km2 de florestas rompendo, após dez anos, a barreira dos 4.000 Km2 anuais, o Pará começa a prestar atenção em seu elevado potencial para a bioeconomia.
Nesse rumo a estratégia em bioeconomia do Pará listou um conjunto de 43 produtos de origem florestal e que devem gerar em torno de US$ 120 bilhões anuais para a economia estadual. O cacau nativo, por exemplo, será um dos destaques desse novo e ousado processo produtivo.
O Plano de Bioeconomia, por sinal único na Amazônia, também prevê investimentos na recuperação de pastagens degradas pela criação extensiva de gado e de áreas com baixa produtividade em que um boi pode pastar em até dois hectares de terras antes ocupadas pela biodiversidade florestal.
A meta é reflorestar, com espécies nativas e destinadas a recuperação dos solos e conservação da biodiversidade, um total de 5,4 milhões de hectares em um prazo apertado de sete anos, ou seja, até 2030.
Claro que o orçamento público não deverá ser suficiente e a participação dos empresários se mostra imprescindível.
Não à toa um conjunto de unidades de conservação criadas pelo governo atual e anteriores estão sendo leiloadas, em processo de concessão florestal para as indústrias, em especial da madeira, institucionalizados desde de 2006 pela Lei 11.284, conhecida por Lei de Gestão de Florestas Públicas.
Apostar no mercado de carbono parece ser o ponto forte da estratégia em bioeconomia paraense.
Diversas áreas de florestas com situação fundiária definida podem ser disponibilizadas para venda de créditos de carbono com a intermediação da iniciativa privada no modelo conhecido por REDD+.
Finalmente, se entre 1990 até 2010 o Acre foi uma referência na discussão de uma economia baseada na biodiversidade florestal, deixando dois legados reconhecidos como as Reservas Extrativistas e a tecnologia do manejo florestal comunitário, o Pará traz expectativas renovadas para um futuro com desmatamento zero na Amazônia.
Expectativas elevadas, uma vez que o maior PIB agropecuário da Amazônia guinará sua política pública para investir na economia da biodiversidade florestal.
Após reconhecido sucesso em 1999, o projeto de governo denominado Florestania, um neologismo criado para sintetizar um conceito abstrato de cidadania associado ao crescimento econômico ancorado na biodiversidade florestal, chegaria ao fracasso nas eleições de 2018 e 2022 de forma, no mínimo, constrangedora.
Explicar o significado do Projeto Florestania não é tarefa fácil.
A despeito da popularidade adquirida, sobretudo no Acre e em Brasília, por meio de farto investimento em publicidade governamental, o neologismo se mostrou carente de objetividade e demasiado amplo o que, todos haverão de convir, torna qualquer tentativa de definição pouco precisa.
Acontece que ao incluir aspectos culturais, econômicos, sociais, ecológicos e políticos o Florestania não conseguiu escapar à costumeira e perigosa generalização que, como mostra farta literatura em ciência política, pode proporcionar algum sucesso eleitoral, mas, em contrapartida, fracassará na concertação do pacto social para garantir sua continuidade e, no caso do Florestania, um futuro diferente para o Acre.
Por sinal, analisando com o distanciamento que só o tempo permite, ao que tudo indica o propósito da equipe que concebeu o neologismo foi o de agregar todas as correntes de pensamento existentes no Acre, de maneira a firmar uma frente eleitoral para conquistar e manter o comando do governo estadual para sempre.
Ao partir dessa diretriz, na qual todos os modelos de economia estadual são aceitáveis e possíveis pela técnica, se reduziria o risco da perda de apoio político.
Tornar mais claro e específico o conceito de Florestania acarretaria, de outra banda, a exclusão de um determinado ator social ou agente econômico, o que aumentaria em igual proporção o risco eleitoral.
E perder eleições, infelizmente, era inadmissível para os líderes políticos do Projeto Florestania.
Não à toa, a generalização tornou possível manter por um bom tempo uma frente ampla, que abarcou todos os espectros políticos com partidos de esquerda, centro e de direita.
Ninguém ficou fora do bônus eleitoral. O Projeto Florestania escancarou a porta para aliciar todos e olha que foram muitos, que não contestassem seus líderes políticos.
E deu certo.
É inegável que em certo momento da história política do Acre, a sociedade formou uma maioria de eleitores, aglutinados em torno de líderes políticos jovens que inspiravam as pessoas com a novidade trazida pelo Florestania.
Naquele momento histórico parecia que nada poderia dar errado, mas deu!
Claro que se trata de uma discussão deveras complexa e para ajudar a entender esse período único da incipiente política no Acre, nada mais prudente que resgatar um pouco dos clássicos.
Dentre os vários estudos especializados na análise de processo político e de governo, consagrados em extensa literatura, a teoria sobre Planejamento Estratégico Situacional, elaborada pelo economista chileno Carlos Matus ainda na década de 1970, pode elucidar alguns pontos importantes para entender o sucesso e falência do Projeto Florestania de governo no Acre.
Com a experiência adquirida na assessoria de Salvador Allende, que governou o Chile de 1970 a 1974, Matus concebeu o que denominou de Triangulo de Governo, um conjunto de 3 sistemas considerados determinantes para que uma nova força política conseguisse satisfazer as demandas de curto prazo da população ao mesmo tempo em que criava bases econômicas para um desenvolvimento sustentável e de longo prazo.
Matus defendia que sem prevalência ou importância diferenciada, cada vértice deveria ser analisado em separado desde que, contudo, caminhassem juntos de modo a manter o equilíbrio.
Resumindo, o inevitável fracasso do governo ocorreria se apenas um dos três vértices deixasse de funcionar.
Assim, Matus definiu o Triangulo de Governo composto da seguinte forma:
Projeto de Governo – Delimita um rumo ou uma ideia força que aglutina os atores sociais e agentes econômicos em torno de um modelo para o desenvolvimento permanente da região no longo prazo, ultrapassando por óbvio o horizonte temporal de 4 anos de mandato;
Capacidade de Governo – Representa o somatório da infraestrutura existente nos órgãos de governo incluindo a equipe técnica disponível e com competência suficiente para tornar realidade o Projeto de Governo, considerando ano após ano a demanda imediata e futura da sociedade; e,
Governabilidade – Reúne as forças políticas e eleitorais cujas características e concepções ideológicas permitem solidificar o comprometimento com o Projeto de Governo, fornecendo o lastro social requerido para evitar ruptura, retrocesso e, o mais grave, descontinuidade.
Em seu célebre livro “Adeus Senhor Presidente”, Matus faz uma analogia ao contar a história de um político que sai, pela porta dos fundos, da vida pública após fracassar no seu mandato.
Desiludido, enquanto recebe o adeus melancólico de assessores próximos, o político revisa suas decisões enquanto exerceu a presidência para entender as razões da péssima avaliação de seu governo.
Para os que leram o livro um alerta: qualquer semelhança com a realidade política do Acre no pós-2018 não será mera coincidência.
Esse é o desafio iniciado aqui e em outros nove artigos.
Ajudar a compreender a raiz do problema que acarretou o fracasso do Florestania, um projeto político e eleitoral que pareceu, até 2018, bastante sólido e invencível.
Claro que algumas pedras dessa barragem, com perdão do duplo sentido, começaram a ruir bem antes. Encontrá-las será crucial para história política do Acre.
Ainda em 2006 publicamos um artigo com o sugestivo título “Com a alagação, Acre não queimará em 2010”. O texto fez parte de uma campanha solitária para que o Acre, com planejamento e técnica, se preparasse para zerar a prática agrícola das queimadas a partir de 2010. Claro que a campanha fracassou.
Depois desse, um conjunto de mais de 30 artigos sobre alagação e seca no rio Acre chamou a atenção para as soluções técnicas possíveis. Com disciplina inusual, em todos os anos dos últimos 20, no mínimo um artigo foi publicado sobre a raiz do problema: desmatamento.
Ainda hoje, muitos políticos e gestores públicos preferem não adentrar nessa inóspita e antiga discussão por não acreditarem no desmatamento zero. Tudo bem. Outros, por razões ideológicas acreditam que o produtor no Acre ainda tem direito a desmatar e também a queimar.
Porém a relação entre desmatamento (causa) e alagação (consequência) possui evidência cientifica robusta e inquestionável.
A retirada da cobertura florestal dos solos no Acre leia-se desmatamento, causa a erosão que vai assorear os rios e igarapés e comprometer a capacidade do leito do rio receber a água da estação das chuvas.
Divulgada por jornalistas sensacionalistas e distraídos com a informação como sendo a segunda maior, a alagação de 2023 trouxe novos elementos que podem ajudar os engenheiros a encontrar respostas, algumas inclusive de curto prazo de modo a melhorar a resiliência dos rios.
Por exemplo, se antes não despertavam atenção os rios e igarapés que desaguam no rio Acre tiveram participação decisiva. Primeiro ao inundarem pontos de estrangulamento de seu próprio leito, como no caso do São Francisco que adicionou novas áreas e habitações àquelas já históricas alcançadas pelo rio Acre todos os anos.
Ao analisar a participação dos rios e igarapés será inevitável voltar a atenção para um dos maiores polígonos da pecuária extensiva localizado na rodovia estadual AC90, conhecida por Transacreana.
Continuando o raciocínio, em todo lugar no Acre em que há predomínio da criação extensiva de gado e são muitos, as taxas de desmatamento estão acima da média estadual que, por sinal, desde 2012 apresenta tendência de elevação.
Não por acaso, também é na Transacreana que se encontra porção considerável do leito e da área das cabeceiras do São Francisco, Andirá e Rola, três dos principais tributários do rio Acre.
Quantidade expressiva de informação, com precisão superior aos dados obtidos em alagações anteriores, foi coletada com rigor técnico, pelos excelentes profissionais que trabalharam para minimizar os efeitos da alagação.
Com a esperada vazante do rio Acre, o momento é mais que oportuno para discutir soluções definitivas para alagação e seca do rio Acre.
Embora as experiências envolvendo a biodiversidade florestal e seu manejo por comunidades de produtores sejam comuns na Amazônia, é muito difícil a produção alcançar a perenidade necessária para fechar contratos e resistir aos variados entraves do cotidiano produtivo.
Exigências não faltam para travar o uso múltiplo da biodiversidade florestal. São problemas relacionados às exigências normativas, exageradas e ineficazes; exigências de qualidade, pelo mercado; exigências ambientais, inalcançáveis e incompreensíveis na realidade comunitária; e exigências trabalhistas impraticáveis.
Sem alternativa, o produtor entra no nebuloso e sem volta universo da criação extensiva de boi, e passa a praticar uma atividade que requer, para se viabilizar, uma escala de terra desmatada que ele nunca chegará a dispor.
O paradoxo se mantém. O produtor amazônida não consegue transformar a biodiversidade florestal em negócio e investe na pecuária extensiva que depende do desmatamento, do legalizado e, muitas vezes, do ilegal.
Acesso gratuito aqui: Manejo florestal comunitário – cacau nativo do Purus by Rayza Mucunã – Issuu
Viabilizar o manejo comunitário para a exploração do potencial econômico da biodiversidade florestal é o melhor caminho, e a ciência, sobretudo a levada a efeito na Amazônia, comprovou isso nos últimos 30 anos.
Uma certeza: a responsabilidade pelos entraves à produção florestal comunitária não está na biodiversidade e, sim, no que acontece fora dela.
Entre 2004 e 2012, com exceção de pequenas oscilações (para cima), a taxa anual de desmatamento sofreu a mais longa sequência de quedas até hoje registrada, chegando ao menor índice já aferido.
Por razões pouco estudadas e por isso ainda inexplicáveis, o ano de 2012 foi o único até agora (desde 1988, quando tiveram início as medições) em que a extensão da destruição florestal na Amazônia foi inferior a 5.000 km2.
A partir daí uma tendência de alta é claramente perceptível na curva do desmatamento, tendo se acentuado depois de 2018.
Essa constatação é preocupante, já que elevações persistentes podem resultar em picos – como o recorde de 1995, quando a destruição assumiu uma proporção alarmante, atingindo 29.059 km2 de área com cobertura florestal, transformada quase que inteiramente em pastagem para criação extensiva de boi.
Ou o recorde de 2004, ano em que o aumento do desmatamento acompanhou o aquecimento da economia brasileira e, em consequência, 27.772 km2 de florestas foram suprimidos por corte raso, desaparecendo do mapa amazônico.
Todos os anos o mundo acompanha a divulgação, pelo Inpe, da taxa de desmatamento, o que ocorre sempre no final de novembro.
Como o combate à devastação florestal é efetuado primordialmente pelo governo federal, é dele o mérito quando a taxa é reduzida, assim como a responsabilidade, nos anos em que se amplia.
Diversamente do que apregoam a imprensa e o movimento ambientalista, os governos (o atual e os anteriores) sempre aplicaram recursos na fiscalização.
E se engana quem pensa que se trata de um investimento exíguo, pois não é. Isso está muito longe da verdade, por sinal.
Acontece que a maior parte do orçamento anual na área ambiental é destinada a procedimentos relacionados ao exercício do poder de polícia, tais como compra de equipamentos e viaturas, realização de operações fiscalizatórias, pagamento de diárias etc.
Mas a experiência demonstra que para alcançar êxito, além da destinação orçamentária é preciso também competência – algo que esteve em falta nos últimos 4 anos.
Do ponto de vista institucional, cabe observar que nessa administração as ações de controle do desmatamento ficaram diretamente vinculadas à Presidência, sob a coordenação – um tanto ineficiente, diga-se – do próprio vice-presidente da República.
Nada disso adiantou. A despeito do investimento em fiscalização e dos dispêndios com a intensa atuação do Exército, a gestão que se encerra em 2022 falhou rotundamente no cumprimento da meta estabelecida perante o Acordo de Paris, de conservar a floresta na Amazônia.
Em 2019, primeiro ano do mandato, foram derrubados 10.129 km2 de florestas; em 2020, foram 10.851 km2 e, em 2021, 13.038 km2.
Agora, em 2022, a superfície desmatada totalizou 11.568 km2. Apesar da leve flutuação para baixo, a tendência de alta se manteve – o que só confirma o fracasso do governo em conter o desmatamento e estancar os prejuízos econômicos decorrentes da degradação da biodiversidade florestal.
Fracasso que deveria ser cobrado com firmeza pela imprensa. Afinal, não tem nada a ver com ideologia – o termo é incompetência mesmo.
Partindo de duas hipóteses: primeira que a biodiversidade florestal original da Amazônia, apesar de não possuir maior viabilidade hoje, supera em competitividade, no médio prazo, toda e qualquer alternativa de ocupação produtiva da Amazônia que dependa do desmatamento; e segunda, que essa maior competitividade somente será alcançada por meio de um esforço conjunto de política estatal que envolva agentes econômicos e atores sociais que atuam na região, o livro apresenta resultados de um amplo levantamento de literatura sobre a importância da biodiversidade florestal para a história econômica da Amazônia, destacando, ao final, um conjunto de produtos oriundos da biodiversidade que poderiam criar e manter uma nova estratégia de desenvolvimento.
Em síntese, o livro traça uma discussão pormenorizada sobre o processo de ocupação social e produtiva da Amazônia, que culminou com o predomínio de um modelo de produção no setor primário ancorado na pecuária extensiva, de baixa produtividade, pouca geração de riqueza, que depende de desmatamento e acarreta elevados riscos para a sustentabilidade econômica e ecológica.
Defende a alternativa de uma economia baseada na biodiversidade florestal da região, considerando suas duas maiores vantagens competitivas: imensa diversidade biológica e uma população amazônida que sabe manejá-la.
Todavia, para chegar nessa parte, diga-se propositiva, para orientar o processo de ocupação produtiva da Amazônia, os autores adentram em uma discussão peculiar e única acerca da visão de fundo, que tem subsidiado a tomada de decisão em política pública.
A conclusão é que enquanto perdurar uma visão simplificadora no planejamento da ocupação, que desconsidera a complexidade do ecossistema florestal, a transformação produtiva em direção a sustentabilidade não vai acontecer.
Compulsando os princípios do método da complexidade, concebido por Edgar Morim, se estabelece um importante referencial para consubstanciar a guinada para o aproveitamento econômico da biodiversidade florestal.
Para facilitar o trabalho do leitor o livro está organizado em 7 capítulos, iniciando com uma análise inovadora do processo de colonização da região, passando pela emergência de uma transformação profunda do modelo atual de ocupação produtiva, que parte do equivocado pressuposto de que a biodiversidade florestal deve ser domesticada para conseguir gerar riqueza que impregnou o conjunto de políticas públicas responsável pelos alarmantes índices de degradação ecológica observados até 2022, chegando a uma discussão detalhada acerca de uma possível e necessária saída por meio do uso sustentável da biodiversidade florestal da Amazônia.
Claro que o livro chega ao final carregando, como dizem os produtores, uma ruma de polêmicas, mas para os leitores que desejam sair do lugar comum e olhar a Amazônia por um novo viés, será, no mínimo, uma leitura surpreendente.
Para que a discussão em torno do futuro da Amazônia avance é preciso levar em conta duas constatações comprovadas em teses de doutorado e pesquisas científicas consumadas no âmbito de instituições do porte da Embrapa e do Inpa, que gozam de amplo reconhecimento internacional.
Em primeiro lugar, o desmatamento é de longe o maior problema social, econômico e ecológico da região, sendo que a superação desse grave empecilho depende de um esforço concentrado de políticas públicas.
Em segundo lugar, a principal responsável pelo desmatamento é a pecuária extensiva praticada nos moldes atuais, ou seja, uma atividade que ostenta produtividade sofrível (2 hectares de pasto por cabeça), que só se viabiliza porque conta com fartura de terras e capital barato assegurado pelo FNO e Pronaf, além de não pagar pela água que o boi bebe (veja aqui: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=2351&artigos_ano=2013).
Só quando essas premissas forem reconhecidas e assumidas, os políticos e os gestores por eles nomeados entenderão que para alcançar o desmatamento zero – uma imposição do mundo aos brasileiros, sobretudo a partir da celebração do Acordo do Paris em 2015 – é imprescindível, antes de tudo, desincentivar na Amazônia a primitiva prática agropecuária da criação extensiva de boi.
Uma decisão complexa, que requer compreensão da dinâmica do desmatamento na Amazônia.
Os dados coletados pelo conceituado Inpe desde 1988 demonstram que, da mesma maneira como acontece em quase toda análise estatística de eventos sociais e econômicos, a curva do desmatamento exibe uma porção inercial.
Esse efeito inercial aparece justamente porque a resolução de desmatar é uma decisão privada de investimento e, em tal condição, envolve análise precedente de custos e receitas, o que o produtor costuma fazer no ano anterior.
Não é por acaso que se deita ênfase, aqui (como também em todos os outros artigos publicados neste espaço), na motivação econômica da destruição florestal.
Explicando melhor. O produtor que pretende ampliar seu pasto e, por conseguinte, seu gado (quase sempre usando o fogo para limpar o solo antes de plantar capim), precisa planejar o investimento com pelo menos um ano de antecedência.
Significa dizer que o desmatamento de 2023 está sendo decidido agora, em 2022.
Cumpre enfatizar que o boi solto no pasto domina a paisagem rural da Amazônia, sendo encontrado nas grandes propriedades, que somam mais de 1.000 hectares, mas também nas pequenas, que não chegam a 100 hectares, em terra firme e na mata ciliar dos rios.
Por sinal, está na agricultura familiar e nos pequenos rebanhos o maior entrave para a redução – muito necessária – do crédito rural disponibilizado pelo Pronaf, que prioriza o exercício da pecuária extensiva. É inegável, claro, a importância social do gado para o pequeno produtor.
Entretanto, sob essa justificativa vão se criando cada vez mais empecilhos que entravam a restrição do financiamento público oferecido à pecuária extensiva e, em consequência, ao desmatamento zero da Amazônia. (saiba mais aqui: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=4566&artigos_ano=2019).
Enfim, por um lado, encarar o desafio de reduzir de maneira drástica o apoio estatal à criação de gado solto em dois hectares de florestas desmatadas significa enfrentar o poder político dos pecuaristas.
Por outro, significa enfrentar o poder político da agricultura familiar. Afinal, é equivocada a ideia recorrente de que apenas a grande propriedade cria boi e desmata.
A empreitada, há de se convir, não é nada animadora. Mas não existe plano B.
A conclusão é simples. Para alcançar o desmatamento zero na Amazônia, o crédito fornecido ao boi solto no pasto também deve ser zerado. Para os grandes produtores e para os pequenos.
Quem é capaz de vencer esse desafio? Pense na Amazônia e vote por ela.
Acesso gratuito aqui:https://bookerfield.com/catalogo/10.53268/BKF22050800
Partindo de duas hipóteses: primeira, que a biodiversidade florestal da Amazônia terá maior competitividade no médio prazo que sua substituição pelo cultivo de capim para pecuária extensiva; e segunda, que essa maior competitividade será alcançada por meio da instalação de arranjos produtivos nos moldes de um Cluster de Biodiversidade, o livro apresenta uma saída econômica para elevar o IDH regional ao mesmo tempo em que zera o desmatamento na Amazônia.
Contudo, a organização de aglomerados econômicos, que concentram em determinado território um conjunto diverso de indústrias vinculadas a um mesmo setor da economia, ainda é pouco difundido na Amazônia que patina no modelo de Zona Franca.
Após uma análise exaustiva sobre as limitações da teoria das vantagens comparativas ao custo dos fatores de produção, até o momento empregada na tomada de decisão de investimento produtivo, bem como em relação a perfeita adequação da teoria das vantagens competitivas, que pressupõe a criação e manutenção de competitividade com diferencial produtivo que permite superar outras regiões e países, os autores se esforçam para explicar, com o detalhamento que a disponibilidade de informação permite, de que maneira o Cluster de Biodiversidade poderia ser, tal qual o Vale do Silício americano para o setor de informática, impulsionado por um novo desenho de política pública, estadual e federal, para Amazônia.
Na tentativa de facilitar a leitura, o livro está organizado em duas partes, iniciando com uma análise inovadora do processo de colonização da região, passando pela emergência de uma transformação profunda do modelo atual de ocupação produtiva, que parte do equivocado pressuposto de que a biodiversidade florestal é um problema a ser superado e que trouxe resultados alarmantes diante da taxa anual de degradação ecológica observada em 2022, chegando a uma primeira aproximação de um modelo de Cluster de Biodiversidade.
Por último e na expectativa de contribuir na compreensão sobre a tipificação de produtos e modo de produção compatíveis com o propósito do desmatamento zero, são analisadas experiências produtivas, algumas em andamento outras concluídas, que podem compor o Cluster de Biodiversidade da Amazônia.
Claro que o livro chega ao final carregando, como dizem os produtores, uma ruma de polêmicas, mas para os leitores que desejam sair do lugar comum e olhar a Amazônia por um novo viés, será, no mínimo, uma leitura surpreendente.
Os amigos o chamavam carinhosamente de Luiz Maluco, entre outras razões, por conta das incríveis teorias (algumas com viés conspiratório) que ele engendrava.
Uma delas ele concebeu ao ouvir, nos idos da década de 1980, no antigo programa de mensagens da Rádio Difusora, diversos avisos com conteúdo parecido – a nova geração de seringueiros conclamando familiares a vender suas colocações e vir embora para a cidade. Tipo assim:
Atenção, Maria Aparecida, conhecida por dona Cida, na Colocação Oco do Mundo, Seringal Vai Quem Quer, seu filho Diolindo avisa que passa bem, graças a Deus, a vida na cidade é muito boa, já conseguiu trabalho e já fechou negócio na compra de uma casa. Pede que venda as criações e a colocação com as estradas de seringa e venha logo com os meninos para se encontrar com ele em Rio Branco.
Pois bem. Diante do enredo aproximado e algo idealizado dessas mensagens, Luiz chegou à conclusão de que tudo não passava de invenção – uma artimanha dos pecuaristas, no intuito de convencer a população, tanto a urbana quanto os próprios extrativistas, que a vida no seringal era muito ruim e que o desmatamento e o plantio de capim eram imperativos para o desenvolvimento econômico do Acre.
Ele mesmo chegou a pagar veiculações na Difusora com o propósito de desestimular o abandono das colocações de seringa e, desse modo, sabotar a suposta conspiração: Atenção, dona Cida, na Colocação Oco do Mundo, seu filho Diolindo pede que a senhora espere por ele, não venda nada, pois ele está desempregado, passando necessidade e vai voltar para o seringal, a vida aí é muito melhor.
Conspiração ou não, Luiz estava duplamente certo.
Primeiro, porque a pecuária se impôs, e hoje a sociedade convive com permanentes taxas anuais de destruição florestal como se fosse um mal necessário, uma exigência para um progresso que nunca chegou.
Segundo, porque o extrativismo segue sendo, em última análise, o principal referencial para o futuro da economia no Acre e, o mais importante, para a conservação da floresta. Não à toa o modelo de desenvolvimento ancorado na exploração sustentável da biodiversidade florestal obteve prêmios e reconhecimento no mundo inteiro e foi aprovado pelos países que firmaram o Acordo de Paris em 2015.
Tive o grato prazer de trabalhar com Luiz Carvalho na Floresta Estadual do Antimary em 1989, pela Funtac, ocasião em que nos dedicamos a uma das primeiras pesquisas a levantar indicadores sociais e econômicos a respeito da realidade vivenciada nos seringais locais. Aquela teoria da conspiração não foi por acaso. Ele conhecia a fundo o tema.
Depois e por bem mais tempo estivemos juntos na fase mais produtiva do CTA (entidade do terceiro setor pioneira no estado), ao longo da década de 1990. Foi nessa época que passamos a discutir, com uma ruma de gente, a saída econômica pela floresta. Um embrião do que veio a ser o tal Florestania, projeto encampado pelo governo que se iniciou em 1999.
Por sinal, Luiz foi um dos poucos a criticar o amplo deslocamento de pessoal que então ocorreu das ONGs para o setor público, já que grande parte dos profissionais que atuavam no âmbito não governamental (e que transformaram o Acre numa referência na Amazônia nessa área) passou a integrar a equipe do novo governo.
Unimos forças novamente na empreitada do Projeto Aquiry, uma tentativa de estruturar uma coligação de ONGs com a finalidade de captar recursos financeiros de maneira coletiva e inédita.
Mais que indigenista, historiador, jornalista, Luiz Carvalho era um pensador. Daquela cachola saiu muita coisa boa.
Luiz se foi no dia 30 de janeiro último, aos 74 anos. Estava morando em Botucatu-SP. Deixou dois filhos, Pedro e Ana.
Faça a passagem em paz, amigo.
Não se deve confundir matriz energética com matriz elétrica.
A primeira se refere à oferta total de energia – da lenha queimada em fornos ao combustível consumido para o transporte de cargas e pessoas. Quanto à segunda, diz respeito especificamente à geração de energia elétrica.
Em ambos os casos, contudo, o Brasil está muito bem na foto.
Graças às águas abundantes nos rios brasileiros, em especial nos leitos amazônicos, quase 50% da matriz energética do país é gerada por fontes renováveis. Trata-se de uma marca alcançada por poucos – um grupo muito seleto de nações que ostenta os menores níveis de dependência em relação ao petróleo, e que pode se vangloriar por isso.
Enquanto, em 2021, a participação das fontes renováveis na produção mundial de energia foi de apenas 13,9%, no Brasil, diante da oferta proveniente das hidrelétricas e da contribuição trazida pelo etanol e pela biomassa florestal, essa participação chegou a 48,6%.
Ressalve-se que esses dados – fornecidos pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), estatal vinculada ao Ministério das Minas e Energia – não incluem as taxas de geração por fonte nuclear, que são limitadas e tendem a se restringir ainda mais, já que Alemanha e outros países da Europa e da Ásia planejam desligar suas respectivas usinas.
De outra banda, e ainda segundo a EPE, nada menos que 65,2% da eletricidade aqui produzida se origina da força das águas. Outros 9,1%, por seu turno, provêm da queima de biomassa; 8,8% resultam da ação dos ventos e 1,7%, do aproveitamento da luz solar.
No total – e por conta, sobretudo, das 158 hidrelétricas em operação no país –, as fontes renováveis respondem por mais de 80% da matriz elétrica brasileira, proporção muito superior aos 30% apurados em face da matriz mundial.
Por óbvio, e considerando ademais os compromissos assumidos pelo Brasil perante o Acordo de Paris, a previsão é que essa proporção se amplie significativamente até 2030.
Afinal, em vista da transição que está em curso na indústria automobilística mundial, do motor a combustão para o elétrico (saiba mais aqui: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=3758), é preciso aumentar a participação da matriz elétrica na matriz energética nacional, de modo a possibilitar a assimilação da demanda trazida pela chegada dos novos veículos movidos a eletricidade – primeiro os de passeio, depois os utilitários e, por fim, os caminhões de carga pesada.
Já existem, no Brasil, como dito, mais de 150 hidrelétricas em funcionamento (contando apenas as de médio e grande porte), produzindo energia limpa e posicionando o país como referência mundial no assunto. Todavia, parte expressiva do movimento ambientalista ainda se opõe à geração hidráulica, notadamente quando o rio represado se situa na Amazônia.
A absurda gritaria em torno da construção das usinas de Belo Monte, no Pará, e de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia – o que resultou na majoração dos respectivos custos, causando prejuízos irreparáveis – dá uma medida das dificuldades enfrentadas todas as vezes que uma barragem começa a ser levantada (saiba mais aqui: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=2415).
A despeito de contar com o inexplicável apoio de meia dúzia de acadêmicos, a resistência dos ativistas, longe de se justificar, contraria a ciência – e o bom senso!
Ocorre que, além de serem ambientalmente adequadas e de se ajustarem à rede fluvial da Amazônia, as hidrelétricas, juntamente com as caldeiras alimentadas por biomassa florestal (madeira), se traduzem em opção econômica prioritária para a região (saiba mais aqui: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=2313).
A geração de energia elétrica renovável, que representa um ativo excepcional, pode ser a saída para tirar a região da persistente estagnação econômica decorrente da criação extensiva de boi.
Porém, e ao contrário do que muita gente pensa, o que existe em fartura na Amazônia não é o vento e a luz do sol, mas sim, água e madeira.