Desde os idos de 2005 que, tal qual uma ladainha, este articulista vem reiterando o alerta quanto à permissividade do governo do Acre em relação às queimadas.

Sob a chamada “Campanha para o Acre não queimar em 2010”, foram publicados mais de 20 artigos jornalísticos e realizadas cerca de 50 palestras, demonstrando-se, com abundância de dados, que não há argumento aceitável que justifique essa perniciosa prática agrícola.

Inicialmente, procurou-se esclarecer, inclusive, que o duvidoso “direito” do produtor à queima, sempre suscitado para a legitimação institucional das queimadas, não se sustenta.

Ocorre que, diferentemente do que se apregoa, o Código Florestal não autoriza o produtor a queimar. A hipótese de uso do fogo, prevista na norma e usada para motivar o licenciamento das queimadas em âmbito estadual, refere-se, na verdade, à possibilidade de o produtor fazer uso do fogo de forma pontual, exclusivamente no intuito de concluir a limpeza de áreas recém-desmatadas para cultivo.

Decerto a medida prevista na legislação federal também é nociva, mas se trata de ação excepcionalíssima, a ser praticada uma única vez nas novas áreas abertas a cultivo, com o objetivo de facilitar a limpeza da pausada resultante do desmatamento da floresta.

Em termos de consequências, portanto, não tem comparação com a queimada, que é executada anualmente como meio de proporcionar fertilidade ao solo, acarretando efeitos intoleráveis.

Outra alegação refutada nos artigos diz respeito à premissa de que o pequeno produtor precisa queimar para “não passar fome”. De novo, mediante sólida argumentação, demonstrou-se que não há relação entre queimada e fome.

O fato é que essa figura do produtor esfomeado, a ponto de ter que queimar para não morrer, não existe – nem mesmo durante o primeiro ano dos assentamentos para reforma agrária, pois o chamado Crédito Instalação, disponibilizado pelo Incra, garante a segurança alimentar dos assentados.

Na verdade, basta uma ligeira análise de viabilidade para se concluir que, se a produção rural no estado se baseia na necessidade de aplacar a fome, não há razão econômica para queimar, melhor seria fornecer uma cesta básica mensal ao pequeno produtor.

Finalmente, depois de jogar por terra o suposto direito à queima e desmistificar a pseudofome do produtor, o terceiro foco da campanha derrubou o pretexto de que não existe alternativa técnica para a queimada.

Esse argumento, que deixa os pesquisadores da Embrapa de cabelo em pé, chega a ser absurdo, diante do conjunto de possibilidades técnicas concebido por essa importante instituição de pesquisa para a fertilização do solo.

Bem, todos estão cientes de que a campanha foi um retumbante fracasso: não só o Acre continuou a arder em 2010 e nos anos seguintes, como as queimadas continuaram a ser licenciadas, tendo apresentado tendência de elevação desde então, chegando ao recorde registrado em 2016, quando foram contabilizados 6.987 focos de calor.

Isto é, segundo o prestigiado e inquestionável Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, desde 1998, quando se iniciaram as medições, não se queimava tanto em território estadual (exceção feita aos incêndios florestais ocorridos em 2005).

Em vista desse abominável recorde, era de se esperar alguma atitude dos gestores públicos, nem que fosse uma suspensão temporária dos licenciamentos. Mas, não. Nada aconteceu, e mais uma vez as cinzas cobrem o nosso céu.

Desnecessário reafirmar que os custos econômicos, ambientais e sociais decorrentes da condescendência do governo para com as queimadas são bem superiores ao insignificante retorno trazido pela produção de arroz, feijão, milho e macaxeira.

A permanecer a política pública que favorece a queimada, os setembros continuarão cinza no Acre. Disso podemos ter certeza.

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