Pode ser que não exista nenhuma conexão entre o discurso do atual governo do Acre em favor da ampliação da criação de boi (que se insiste em chamar de agronegócio) e o aumento perigoso das queimadas, mas pode ser que sim.

Diante da dúvida, há um fato.

Em 2019, houve maior número de queimadas no Acre nos meses de março, abril, maio e junho, em relação a 2018 – até chegar ao recorde dos últimos 16 anos para o mês de agosto.

Três argumentos costumam ser prontamente sacados pelos gestores para justificar as queimadas: tradição cultural; subsistência familiar; e direito ao uso do fogo. Todavia, nenhum se sustenta.

No que concerne ao primeiro, defende-se que desde os primórdios da ocupação da Amazônia a agricultura de coivara e a queima já eram usadas para formação de roçados de macaxeira e milho.

Ora, mesmo que existissem registros demonstrando que os indígenas faziam emprego das queimadas nos padrões atuais – o que não é o caso –, heranças culturais podem e devem ser modificadas quando se referem a práticas nocivas às sociedades contemporâneas ou não toleradas por estas.

Quanto ao argumento de que o produtor precisa queimar para comer, além de falso, trata-se, efetivamente, de um paradoxo, pois a queimada causa, no médio prazo, o comprometimento agronômico da terra, até o ponto em que o solo deixa de produzir e – aí sim! – pode levar à fome.

Cabe esclarecer, a propósito, que hoje, na realidade do Acre, não existe produtor recém-assentado (a última leva de colonos trazidos pelo Incra remonta aos anos 2000), que necessite queimar para garantir a subsistência de sua família.

Restaria por fim, o argumento do direito do produtor ao uso do fogo.

Muito embora exista certo consenso quanto ao direito que detém o colono de queimar o mato para cultivar roçado de subsistência, padece de razoabilidade o entendimento segundo o qual esse direito legitimaria a prática anual das queimadas.

Ocorre que na primeira hipótese o fogo é uma ferramenta para o colono iniciar seu plantio e garantir, nos meses seguintes, o sustento de sua família. Nada a ver com a segunda, pois a queimada é anual e realizada a título de investimento, para ampliação ou consolidação da produção, quase sempre destinada à criação de boi.

Mas, independentemente de tudo isso e das gritarias que ressoam nas redes sociais, os prejuízos econômicos sociais e ecológicos decorrentes das queimadas no Acre não podem ser tolerados, mesmo que seja necessário: mudar a tradição; distribuir cesta básica aos pequenos produtores; alterar a legislação.

Os gestores responsáveis pelo Instituto de Meio Ambiente, Instituto de Mudanças Climáticas e Secretaria de Meio Ambiente, órgãos diretamente envolvidos com o tema, devem ser responsabilizados.

Aos políticos em mandato, resta a rejeição do eleitor.

Os jornalistas deveriam cobrar uma resposta clara a uma indagação simples: de que maneira o agronegócio da criação de boi poderá ser ampliado sem o consequente aumento dos desmatamentos e das queimadas?

Desde 2005 não se queimava tanto no Acre durante o mês de agosto.

E em 1º de setembro, o conceituado Inpe registrou a ocorrência de 327 queimadas em território estadual. Apenas nesse dia. Era um domingo.

A resposta à pergunta acima é igualmente simples, já que uma coisa está intrinsecamente ligada à outra.

Conclusão: não há futuro para o agronegócio do gado no Acre.

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