Não fosse o inaceitável ativismo de um ministro do TCU, que atuou para procrastinar uma decisão autorizada pelo Congresso (e já convalidada por seus pares na corte de contas), a esperada e oportuna privatização da Eletrobrás teria ocorrido ainda em maio. Tudo indica, porém, que de junho não passa.

Difícil acompanhar as idas e vindas desse processo, que está em discussão há pelo menos 20 anos. Entre os economistas e engenheiros atuantes no setor elétrico, o consenso, de maneira geral, aponta para a privatização como único caminho.

E a razão é mais que óbvia, demanda impreterível por (muito) dinheiro.

Acontece que, na situação em que se encontra, a Eletrobrás requer um aporte considerável de capital no curto prazo – o que pode vir de duas fontes: fundo de investimento privado ou mais impostos. Diante da exorbitante carga tributária infligida aos brasileiros, não precisa pensar muito para descartar a segunda opção.

Claro que não é só isso. A venda da empresa trará uma série de benefícios à população, e não faltam estatísticas a comprovar esse prognóstico. Foi assim com a telefonia, cuja privatização no final dos anos 1990 levou à universalização do serviço, abolindo uma anomalia trazida pela estatização – vez que, de tão inacessível, a linha telefônica havia adquirido valor de mercado, tendo passado à condição de bem patrimonial declarável no imposto de renda.

Foi assim também com a siderurgia. A Companhia Siderúrgica Nacional e a Vale do Rio Doce saíram do domínio do Estado em 1993 e 1997, respectivamente. Desde então, ambas oferecem produtos e empregos de melhor qualidade, ao tempo que abastecem o mundo quebrando recordes de produção de aço.

O argumento contrário à venda das estatais não varia. Telecomunicações e minérios seriam áreas estratégicas para o país, portanto, aquelas empresas – e seus diretores – deveriam permanecer sob o controle e a indicação política.

Não existe estatística a sustentar raciocínio tão pueril. Ao contrário, setores estratégicos requerem regulamentação específica, e não um paquiderme estatal atuando no mercado.

Nada mais elucidativo do que o atraso que caracteriza o contexto do saneamento básico no Brasil, onde sempre houve predomínio das empresas públicas municipais e estaduais – que, todavia, nunca lograram alcançar eficiência, nem em relação ao serviço prestado, nem sob o aspecto financeiro.

Resulta que a maior parte se encontra hoje estrangulada, precisando de um investimento que o Estado não é capaz de prover. Enquanto isso, a universalização continua a ser uma meta distante, e o país segue ocupando, na segunda década do século XXI, posição vergonhosa no ranking da OMS que mede o acesso dos indivíduos aos serviços de coleta de lixo, oferta de água potável e tratamento de esgoto.

Não à toa, foi introduzido em 2020 o marco legal do saneamento (Lei 14.026/2020), abrindo caminho para o investimento privado, de forma a injetar dinheiro no setor e melhorar os lamentáveis e persistentes indicadores exibidos pela realidade brasileira.

Tanto no caso dessa norma quanto no da Eletrobrás (e, de resto, todas as vezes que uma legislação equivalente é promulgada), a grita dos que se opõem à privatização é que não houve debate e que a aprovação se deu “na calada da noite” – ou seja, sistematicamente levantando suspeitas sobre os procedimentos.

Tudo falácia. O processo de privatização da Eletrobrás, reitere-se, vem se arrastando pelos últimos 20 anos. A discussão foi ampla, o suficiente para permitir o amadurecimento da matéria e a adoção do modelo de capitalização na bolsa de valores, concebido pelos especialistas do BNDES e plenamente ajustado à hipótese.

Basta dizer que faz quase um ano que a Lei 14.182/2021, que autorizou a transação, foi editada – após passar, obviamente, pelo crivo das comissões e por intenso debate nas duas casas legislativas.

Entretanto, como sempre, os que não aceitam perder na política judicializaram a questão. Instado a se pronunciar, e novamente depois de muito debate, o STF derrubou as arguições de inconstitucionalidade e imputações de suspeição.

A desestatização foi uma vez mais discutida em minúcias – desta feita no âmbito do TCU –, tendo sido ratificada praticamente por unanimidade (pois o voto do ministro procrastinador foi o único desfavorável).

Mas, enfim, superadas as sabotagens – que não levam em conta os interesses da nação e se apoiam em razões puramente ideológicas, além de evidenciar preconceito contra a iniciativa privada e, por tabela, contra o capitalismo –, há que se discutir o mais importante, isto é, a destinação do expressivo montante a ser apurado.

É aí que entra o Decreto 11.059/2022, publicado em 03 de maio último, que regulamentou o programa Pró-Amazônia Legal.

Explicando. Conforme prevê a citada Lei 14.182/2021, os recursos amealhados com a negociação das ações serão direcionados, entre outros, à consecução de dois objetivos.

Primeiro, completar a conexão da região amazônica – ou, pelo menos, da superfície que pode ser conectada – ao SIN (Sistema Interligado Nacional), reduzindo, por conseguinte, os custos de geração e transmissão de eletricidade.

Segundo, aumentar o calado e melhorar as condições de navegabilidade dos rios Madeira e Tocantins, mediante fomento a projetos de revitalização da mata ciliar e de modo a evitar assoreamento e desbarrancamentos.

Só à Amazônia serão destinados 295 milhões de reais anuais – durante os próximos 10 anos –, para aplicação na transmissão de energia (70% do total) e melhoria da navegação (30% do total).

Nem aos mais anacrônicos defensores da estatização passa despercebido, decerto, que um investimento desse porte e nesse prazo jamais foi realizado em hidrovias amazônicas, e jamais seria no futuro, a despeito da recorrente demanda.

Não precisa ir longe, apenas pelos rios e hidrovias os parlamentares da Amazônia devem apoiar a venda de estatais – seja a Eletrobrás ou qualquer outra.

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