Chama atenção o fato de que o diferencial que existe na paisagem das margens dos rios amazônicos diz respeito à intensidade com que a pecuária bovina de corte se estabeleceu numa ou noutra localidade. O que recorta a paisagem, para o observador que navega no rio, é o surgimento de trechos sem vegetação, ou melhor, sem floresta, mas com vegetação de pastagem (embora nem sempre se consiga ver os bois).
Para dar uma ordem de grandeza a essa diferença de paisagem, pode-se afirmar, com muita chance de acerto, que a pecuária ocupou a quase totalidade da mata ciliar do rio Acre, uma boa parte da mata ciliar do Purus e uma pequena área na mata ciliar do rio Amazonas (quando se observa o trecho entre as cidades de Itacoatiara e Urucurituba, por exemplo).
Encontrar as razões que justificam maior ou menor intensidade de ocupação pela pecuária na mata ciliar exige a realização de estudos mais acurados sobre a história econômica de cada um desses municípios, o que não é o caso.
Todavia, não há dúvida que duas variáveis são determinantes em relação a essa intensidade. E a primeira delas está vinculada à malha rodoviária existente na região.
Impressiona a amplitude do raio de influência de uma rodovia pavimentada. Seus efeitos transpõem os rios e igarapés e alcançam as áreas centrais da floresta. Há produtores que precisam levar a boiada por mais de oito horas de caminhada, até chegar à margem do rio e, daí em diante, embarcar os bois por mais um ou dois dias de navegação, para, aí sim, ter acesso à rodovia. Na estrada pavimentada, esse rebanho irá trafegar por mais de 10 horas, até chegar a um mercado consumidor mais promissor.
Difícil imaginar que haja alguma coerência econômica nessa prática, mas deve existir, pois o imperativo de mercado leva o produtor a achar que é mais vantajoso seguir o caminho da pecuária. A existência de uma rodovia pavimentada e que pode ser acessada pelos ribeirinhos, mesmo que esse acesso signifique um esforço exagerado e de economicidade questionável, promove a ocupação da pecuária na mata ciliar dos rios.
A segunda variável determinante para a presença da pecuária na mata ciliar é a proximidade de uma ou mais cidades de porte médio – com população superior a 200 mil habitantes e que conte com uma estrutura já consolidada de abate e comercialização de carne bovina. Ainda que essa estrutura se volte para o mercado varejista e não disponha de grandes frigoríficos e distribuidores para supermercados, o produtor consegue vender o boi a um preço que lhe parece atrativo, uma vez que os custos de produção são muito subestimados.
No caso do rio Acre, essas duas varáveis (rodovia pavimentada e mercado consumidor próximo) são plenamente atendidas, e a influência delas deverá ser ainda mais sentida nos próximos anos, diante da pavimentação da BR 364 (que chegou até Cruzeiro do Sul no final de 2011).
Raciocínio semelhante pode se aplicar à realidade do rio Purus, onde tanto a rodovia quanto o mercado existem, embora em menor proporção que no caso do rio Acre. A promoção da pecuária naquela região conta com a importante contribuição do relevo e do solo do município de Boca do Acre, que apresenta condições propícias para a instalação dessa atividade. Por isso, o município possui o maior rebanho do estado do Amazonas.
Já no âmbito circunscrito ao rio Amazonas, a situação é diferente. Ocorre que não existe malha viária que ligue o estado a outras regiões do país. Embora a cabotagem fluvial seja intensa, a ausência de rodovia parece inibir, de alguma maneira, a atividade pecuária.
A íntima relação entre rodovia e pecuária na Amazônia é conhecida; a novidade é que essa relação alcança a mata ciliar, tornando o problema ainda mais grave.