Vitimado por uma grave enfermidade faleceu, semana passada, Raimundo Saraiva um dos pioneiros na profissão de Mateiro no Acre. Talvez um dos poucos que além de um dom natural para identificação de árvores no interior da floresta, também possuía disciplina e capacidade de concentração, como as que são exigidas aos estudiosos da biodiversidade amazônica.

Envolvido na equipe que participou de um momento único da história da pesquisa em ciência florestal na Amazônia, quando ainda no final da década de 1980, a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre, Funtac, a Embrapa e o Centro dos Trabalhadores da Amazônia, CTA, iniciavam a elaboração de formulações teóricas inovadoras como as das Reservas Extrativistas, do Manejo Florestal Comunitário e do Manejo Florestal de Uso Múltiplo, Raimundo era o Mateiro preferido que nunca se negava a contribuir.

Ocorre que o Mateiro é para o engenheiro florestal, o biólogo e outros profissionais que se aventuram no estudo da floresta amazônica, sua principal fonte de informação e de conhecimento, sobre a identidade das espécies. Ou seja, é o Mateiro que conhece as árvores, os arbustos e as ervas, pelo seu nome e, sem essa informação, não se faz nada na floresta.

Os técnicos que trabalharam com Raimundo vão sentir muita saudade do amigo e falta da referência técnica que ele representava. Referencia técnica daquelas que fornece segurança sobre a informação que trazia. A pergunta, para saber se um Inventário Florestal, realizado no Acre nesse período, tinha dados seguros ou não, era sempre a mesma: Foi o Raimundo o identificador botânico das árvores?

Por sinal, ser identificador botânico, que é aquele Mateiro que sabe o nome popular da árvore, mas que, após qualificação, consegue identificar a espécie e chegar ao seu nome científico, algo bem complexo de se fazer, foi uma atitude determinada do Raimundo.

Ainda no tempo da Funtac ele se propôs a, em conjunto com outro saudoso Mateiro: Ivo Flores, a permanecer durante mais de 3 meses no herbário do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Inpa, aprendendo a reconhecer as árvores pelo seu nome científico, se transformando em um dos primeiros identificadores botânicos da Amazônia.

Raimundo fez sua estréia no primeiro Inventário Florestal realizado na Floresta Estadual do Antimary, em 1989 e coordenado pelo Chico Cavalcante, que não cansava de dizer que o Raimundo era único. Esse Inventário Florestal, considerado especial por ter incluído, pela primeira vez, as palmeiras, os arbustos e cipós na quantificação da floresta, exigiu muito do Mateiro, mas Raimundo deu conta do recado.

Depois vieram os Inventários Florestais do São Luis do Remanso, do Cachoeira, do Porto Dias, do Macauã e assim por diante. Raimundo tornou-se referencia, aquela crucial garantia de que a informação elementar, da qual tudo depende, o nome da árvore, estava correta.

A profissão de Mateiro, que infelizmente continua negligenciada por aqueles que são responsáveis pela formação de profissionais para o setor florestal na Amazônia, perdeu um dos seus mais respeitáveis profissionais.

Com o Raimundo foi-se um vasto banco de dados sobre a flora amazônica, algo irrecuperável e para o qual costuma-se não dar atenção. Não há um discípulo sequer, não haverá continuidade, a perda é enorme.

Ao Raimundo só resta agradecer pelos momentos vividos no interior da floresta, pela atenção, pela companhia, pelo profissionalismo e por tudo o mais.

Que o Raimundo esteja conversando com as árvores por aí, para saber seu nome e de onde vieram. E, depois, seria bom, se conseguisse um jeito de nos contar.

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