Há dois pontos importantes na discussão sobre a realização dum plebiscito para a reforma política. Primeiro, que, ao que tudo indica, o Congresso, na sua composição atual, não vai fazer a reforma que a sociedade almeja. Segundo, que o nosso histórico com a realização de plebiscitos não é dos melhores.

A suposição de que os ocupantes das cadeiras do Senado e da Câmara não vão aprovar as mudanças exigidas pela sociedade está longe de denotar um mero exercício de adivinhação. As posições assumidas pelos parlamentares são sintomáticas. No último dia 09 de julho, por exemplo, o Senado derrubou a proposta de emenda constitucional que previa a redução do número de suplentes, que passariam de dois para apenas um. Embora os senadores tenham voltado atrás e aprovado a PEC, o episódio deu uma demonstração inequívoca da má vontade do Congresso com relação à reforma política.

Diga-se que a suplência no Senado representa, sem medo de errar, o desvio mais perigoso imposto pelo sistema eleitoral em vigor. Cerca de um terço dos senadores que representam o povo brasileiro e votam as leis pátrias não recebeu voto de nenhum eleitor. Na prática, portanto, permanece a figura do “senador biônico”, criada pelo regime militar e de triste memória na história nacional.

Evidentemente, a anormalidade não se restringe ao fato de a legislação prever um ou mais suplentes – ou à possibilidade de a suplência ser exercida por cônjuge ou parente do senador titular. O que a sociedade espera é que essa distorção seja abolida, de forma que não seja possível a eleição de senadores que não tenham sido votados.

Como igualmente espera acabar com a possiblidade de eleição de deputados mediante artifícios como o denominado “coeficiente eleitoral”. Estima-se que mais de um terço dos deputados não receberam a quantidade de votos necessária para sua eleição.

Isto é, o problema não é a eleição de deputados como Tiririca e Romário – que foi legítima, já que ambos receberam milhões de votos. O problema é que os votos recebidos por eles, em face da regra do coeficiente eleitoral, conduziram à Câmara candidatos que não tiveram votos suficientes para chegar ali. Grosso modo, é o seguinte: os votos que excedem o coeficiente eleitoral de um candidato servem para eleger outros candidatos do mesmo partido ou coligação, nos quais poucos votaram. Além de absurda, a regra é abstrusa, difícil de entender.

Essas duas anomalias, que comprometem o exercício democrático, explicam uma série de deficiências no sistema político brasileiro, cuja responsabilização muitas vezes é inadvertidamente atribuída ao eleitor. Costuma-se acusar o eleitor, por exemplo, de não fiscalizar o parlamento. Ora, como o cidadão pode cobrar atuação de um parlamentar que não recebeu votos, e que o eleitor sequer sabe que ajudou a eleger?

Todavia, os parlamentares que se beneficiam desse sistema equívoco terão muita dificuldade, obviamente, para alterá-lo, e como são eles que estão “lá” agora …

O segundo ponto acima aludido, relevante para a discussão sobre o plesbicito, refere-se à dificuldade que os brasileiros temos, e que parece ser mesmo inerente à nossa herança ibérica, em ser objetivos na elaboração de perguntas sobre temas que envolvem certo grau de complexidade. A votação do Estatuto do Desarmamento, que compreendeu apenas uma questão a ser respondida, comprova essa assertiva.

Naquela ocasião, a pergunta foi tão mal elaborada que o SIM significava que o eleitor na verdade votava contra o desarmamento, e o NÃO, a favor. A costumeira falta de objetividade certamente comprometeu o resultado do plebiscito

Mais grave é o caso do referendo realizado no Acre em 2010, em função da mudança de fuso horário ocorrida no estado. Embora a maioria tenha votado a favor do restabelecimento do horário antigo, a vontade da população até hoje não foi cumprida.

Enquanto uma deliberação aprovada pelo voto da população não se tornar realidade, o sistema democrático estará inseguro. Isso é o pior que pode acontecer numa Democracia.

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