Nunca é demais repetir. O desmatamento da floresta na Amazônia está na raiz de uma série de problemas para os quais o Estado brasileiro não encontra solução. Além de estar associado às mudanças no clima e à ocorrência de secas e alagações, o desmatamento amplia a incidência de diversas doenças, entre as quais a malária.

Só para ilustrar. Em Uganda, onde o vírus Zika é nativo, existe uma área de floresta denominada Zika Forest, na qual o mosquito e o vírus se limitam a infectar os animais. Apesar de distante da área urbana mais próxima, um dos principais motivos pelos quais o vírus não atinge os humanos é a existência da floresta: ali não ocorre (pelo menos ainda) a mazela do desmatamento.

Finalizada em 2015, pesquisa coordenada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, órgão de reconhecida reputação subordinado ao Ministério do Planejamento, relacionou a incidência de malária às taxas de desmatamento.

Os pesquisadores percorreram 773 cidades amazônicas entre 2004 e 2012. As estatísticas do desmatamento e a ocorrência dos casos de malária foram analisadas em âmbito municipal e não deixam dúvidas: há estreita correlação entre malária e desmatamento, numa proporção assustadora. Quando o desmatamento cresce em 1% em relação ao ano anterior, a incidência aumenta em 23%.

Explicando melhor. Para cada unidade de aumento do desmatamento, 23 pessoas a mais (que o contingente do ano anterior), em cada 100, são acometidas por malária; esse incremento, obviamente, onera o sistema de saúde pública, que tem que ampliar, em igual proporção, suas ações para o tratamento dessa doença.

Além da malária, também a leishmaniose apresenta vinculação com o desmatamento: para cada unidade de aumento no desmatamento, o número de enfermos se eleva em até 9%.

Algumas questões devem ainda ser aclaradas por novas pesquisas. Por exemplo, o fato de a taxa de desmatamento afetar em maior ou menor grau a malária e mais algumas moléstias, e não apresentar relação com outras doenças.

Os economistas do Ipea também precisam responder até que ponto a sociedade pode arcar com os custos representados pela propagação dessas doenças, diante da parca receita em impostos suscitada pelas atividades produtivas que, como é o caso da criação de boi, dependem do desmatamento – vale dizer, da substituição da floresta por plantios homogêneos.

E assunto ainda mais intrigante diz respeito às forças políticas, sociais e econômicas que estão por trás do desmatamento, permitindo que essa perniciosa prática se mantenha a taxas acima de 5%, quando as evidências científicas de seus efeitos nefastos são fartas e conhecidas pelos gestores e políticos da Amazônia.

A meta de zerar o desmatamento ilegal foi incluída pelo Brasil no “Acordo de Paris”, assinado em dezembro de 2015, mas isso não vai resolver os problemas causados por alagações, secas, malárias, leishmanioses, bronquites, pneumonias, viroses – que vão continuar proliferando, em função do desmatamento legalizado.

Na condição de pior e mais grave mazela da Amazônia, todo desmatamento, legal ou ilegal, deve ser coibido – e esse objetivo deveria concentrar os esforços de empresas, órgãos públicos e organizações da sociedade civil.

Cada boi criado nos pastos da Amazônia representa a conversão de quase dois hectares de florestas. Será que vale a pena?

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