Somente para lembrar, pela teoria do Triangulo de Governo elaborada pelo economista chileno Carlos Matus ainda na década de 1970, enquanto o Projeto de Governo estabelece um rumo e a Governabilidade fornece estabilidade política, a Capacidade de Governo se refere a estrutura operacional que cria condições para realizar obras e investimentos.

Juntos formam o tripé, ou triangulo, que uma vez conduzidos de maneira equilibrada e de acordo com os pesos e contrapesos de uma democracia acarretam o sucesso de um mandato, do contrário, o fracasso.  

Como analisado em artigos anteriores o Projeto Florestania enfatizou o resgate de valores culturais de um acreanismo adormecido, sem decidir por apoiar o agronegócio da pecuária extensiva ou a exploração da biodiversidade florestal enquanto modelo de desenvolvimento econômico para o Acre.

Ao decidir pela generalização inclusiva, onde entrava o pecuarista e o extrativista, os líderes políticos do Florestania transferiram o conflito entre os dois modelos para a rotina diária da Capacidade de Governo.

Isto é, com pouca ou nenhuma orientação superior oriunda dos detentores de mandato eleitoral, ficou à cargo da equipe técnica as decisões rotineiras de execução que penderam para um e outro lado dos modelos.

Há, contudo, um registro histórico inescapável.

Antes do Florestania ser alçado à condição de Projeto de Governo em 1999, um conjunto de seis organizações não governamentais (ONG), ou da sociedade civil para usar uma denominação menos preconceituosa, discutiram e detalharam vários pontos do que chamavam de “saída econômica pela floresta”.

Muitos haverão de recordar que nos idos de 1988, quase dez anos antes do Florestania, com apoio técnico imprescindível do Centro de Trabalhadores da Amazônia, CTA, as ONG’s do Acre garantiram a regularização de mais de 2 milhões de hectares em Reservas Extrativistas, Resex.

Não à toa a invenção da Resex e a concepção da tecnologia do manejo florestal comunitário são dois legados do Acre para a política florestal na Amazônia.

Em síntese, dentro da Resex a agricultura de subsistência e a pecuária não podem ser realizadas com interesse comercial e a geração de renda vem, exclusivamente, da exploração sustentável da biodiversidade florestal, o que, por conseguinte, impede que o desmatamento presente na área do entorno se alastre.

Dessa maneira, com quase metade do território do Acre destinado, por força da legislação fundiária, a comercialização de produtos extraídos da biodiversidade florestal existente na Resex, o desenvolvimento econômico estadual deixaria de depender do nefasto desmatamento.

Do ponto de vista político, as ONG’s atuantes no Acre, desde o final da década de 1980, depositaram irrestrito apoio à ampliação de terras com florestas para que a biodiversidade florestal funcionasse como contraponto à criação extensiva de boi atraindo investimento estatal e da cooperação internacional.

Mais que apoio político, técnicos qualificados nas ONG’s migraram para a estrutura pública, na vã expectativa de que em cargos de direção direcionariam a Capacidade de Governo para colocar em prática o Projeto Florestania que excluía a pecuária extensiva.

No início até que deu certo. Nos primeiros seis anos de uma hegemonia que durou 20, o Florestania promoveu atividades vinculadas ao uso comercial da biodiversidade florestal.

Em 2001 foi aprovada a Lei 1.426 que instituiu a Política Estadual de Florestas que proporcionou a criação da Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo, de início subordinada a Secretaria de Produção e no ano seguinte transformada em Secretaria Estadual de Floresta.

Foi nesse período também que se construiu a fábrica de pisos de Xapuri, uma indústria moderna e automatizada voltada para produção de tacos com a madeira produzida no manejo florestal comunitário praticado na Resex.

Ainda em Xapuri se instalou a Natex, uma fábrica de preservativos masculinos de última geração a ser abastecida com a borracha nativa das colocações de seringa ocupadas pelos extrativistas na região do alto rio Acre.

Finalmente, foi fundamental o papel dos profissionais que tinham trabalhado com a visão da saída pela floresta em ONG para o fortalecimento da Capacidade de Governo que priorizou a interpretação do Florestania sem pecuária extensiva.

Por sinal, foi com base na experiência adquirida por esses técnicos que se aprovou três grandes projetos de financiamentos bancários, considerados decisivos para o modelo de desenvolvimento do Acre baseado na biodiversidade florestal. Mas, isso é outro artigo.    

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