Quem é população tradicional agora?

Com a nova proposta do Ministério do Meio Ambiente, ou todo brasileiro é e os seringueiros também, ou nem todo brasileiro é e, os seringueiros, com certeza não são. Hipótese que destrói o conceito de Reservas Extrativistas. E aí… Precisava disso?

O termo populações tradicionais ganhou importância significativa durante o final da década de 1980, quando se discutia a criação de espaços territoriais especialmente destinados à atividade extrativista, sobretudo aquela baseada no binômio borracha e castanha, e à, conseqüente, manutenção da floresta na Amazônia.

No auge do importante trabalho de articulação sindical realizado por Chico Mendes, que já originara o Conselho Nacional dos Seringueiros em 1985, reivindicava-se do Incra, o estabelecimento de uma nova modalidade de assentamento, específico para a Amazônia, denominado de Projeto de Assentamento Extrativista, o que viria a se tornar realidade ainda em 1987, por meio da Portaria 627, abrindo caminho para a criação, três anos depois, das primeiras unidades de Reservas Extrativistas.

O argumento principal para incluir esse tipo de ocupação no Plano Nacional de Reforma Agrária foi, justamente, a existência de uma população tradicional, que há mais de um século habitava o ecossistema florestal produzindo de acordo com o modo extrativista. No entanto, a definição do que viria a ser população tradicional, assustava, e ainda assusta, até os mais engajados antropólogos e sociólogos.

Essa definição assusta por trazer em si um risco perigoso: o da desmistificação do extrativismo e, o mais grave, do seringueiro. Uma vez caracterizado como um tipo específico de trabalhador rural, aquele que, em tese, viveria do ecossistema florestal, seu enquadramento como população tradicional, exigiria que a definição fosse além das diferenciações étnicas e assim por diante: ou seja, um problema complexo.

Essa pendência conceitual, quase foi sanada quando da aprovação da Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O Congresso, agora já em 2.000, considerou que populações tradicionais eram:

“grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, … e utilizando os recursos naturais de forma sustentável”

Mas, o Presidente Fernando Henrique Cardoso considerou a definição abrangente demais, onde caberia toda a população brasileira e que a ocupação por três gerações, não caracterizaria, por si só, a ocorrência de população tradicional e vetou o artigo.

Passados sete anos uma nova tentativa de definição acaba de ser introduzida com o Decreto 6.040 de 7 de fevereiro passado, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Desta feita a nova definição afirma que povos e comunidades tradicionais são:

“grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”

As perguntas agora são: os seringueiros estão aí? Existe diferenciação cultural e de organização social no seringal? O extrativismo, que já não se baseia mais no binômio castanha e borracha, é condição para reprodução religiosa, ancestral e econômica do extrativista? E mais: É possível ver o extrativista, que optou pelo manejo florestal comunitário e se transformou em manejador florestal, nessa definição?

Finalmente, diante da dificuldade em solucionar os problemas que o extrativismo e a manutenção da floresta possuem, optou-se por colocar um bode no seringal.

Deixa pra lá, daqui a quatro anos é só fazer outro Decreto e tirá-lo de lá.

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