Existe uma dificuldade crônica para a imensa maioria dos brasileiros compreenderem a importância da separação dos três poderes republicanos e mais ainda para delimitar a função a ser desempenhada pelo Poder Judiciário e o Poder Legislativo.

Além de contaminar as opiniões de representantes de alto nível a separação dos poderes, ponto sensível ao processo democrático, retrocede sempre que, por exemplo, juízes impõem por normas legais ao que deveria ser discutido e aprovado pelos políticos. Exemplos não faltam.

Jornalistas de quase todas as empresas de mídia do país aplaudiram quando o Supremo Tribunal Federal, STF, preencheu a lacuna deixada pelo Congresso Nacional e recusou a tese do Marco Temporal para regularização fundiária de terras para os índios.

Uma discussão muito complexa e que poucos na imprensa conseguem entender. Não à toa, as notícias priorizaram a separação dos ministros do STF e, por tabela, de todas as pessoas que conseguem opinar sobre o assunto em contrários ou favoráveis aos próprios indígenas.

O que é, no mínimo, deplorável.

Por óbvio, um raciocínio simplório dos jornalistas, que foi republicado sem cerimônia e que se inicia com a afirmação, sem qualquer evidência, de uma suposta demanda do agronegócio, sempre tratado com preconceito incompreensível para um setor que representa quase 50% da economia do país, e que se encerra com o fim definitivo da demarcação de Terras Indígenas.

Nada disso é verdade ou tudo não passa de um grande equívoco e, justamente por isso, o STF não deveria se adiantar ao Poder Legislativo.

Não fosse a letargia dos senadores e não somente o Marco Temporal mas temas polêmicos como a exploração mineral e o arrendamento pelo agronegócio de Terras Indígenas estaria regulamentado de acordo com legislação aprovada pela Câmara dos Deputados, já faz um bom tempo.

O que está em jogo e ao mesmo tempo faz com que os parlamentares em Brasília sejam os principais e únicos responsáveis por uma regulamentação conclusiva é o modo como tratamos até hoje as Terras Indígenas e as populações que vivem lá.

A legislação já aprovada pelos deputados e que deve ser reforçada pelos senadores altera de maneira sensível as diretrizes propugnadas pela Funai e por parte expressiva de acadêmicos, em especial em universidades federais.

E, convenhamos, se de um lado os brasileiros são sensíveis à causa indígena e defensores da destinação de terras para sua sobrevivência, ninguém pode ser favorável a insegurança jurídica que impede o aporte de capital privado que, no curtíssimo prazo, deve melhorar o IDH das próprias populações indígenas.

Difícil entender as razões para que grupos políticos aplaudam a intervenção do STF. Alegam que vão perder no debate e na votação a ser travada no Congresso Nacional. Esquecem que, afinal, o nome desse embate é política, a arena onde o país consolida sua democracia.

Não foi diferente quando o Congresso Nacional impediu a transferência da Funai do Ministério da Justiça para um ministério que não terá vida longa. Os mesmos políticos, com apoio dos jornalistas, reagiram como uma afronta, ou um golpe, como gostam de repetir.

Mas, a Funai está no seu devido lugar institucional, vinculada ao Ministério da Justiça e foi a política, não os juízes, que conseguiu o melhor para o país.

Com o instigante título “Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira: Um Memorando Econômico”, documento publicado pelo Banco Mundial, em 2023, sob a responsabilidade editorial do economista sênior Marek Hanusch, defende deslocar a outros setores o crédito público investido na pecuária extensiva na Amazônia.

Colocando ênfase na máxima de que o desenvolvimento da Amazônia depende do desmatamento zero, os economistas analisaram as estatísticas sobre os benefícios trazidos pelo crédito rural subsidiado (gerido pelo Basa e oriundos do FNO, Plano Safra e Pronaf) para a economia regional e o impacto na taxa anual de desmatamento.

A conclusão não poderia ser diferente do que tem sido reiterado em vários artigos publicados nesse espaço.

A fartura de capital anualmente emprestado ao pequeno e grande produtor a juros reduzidos amplia a competitividade da principal atividade responsável pela substituição da cobertura florestal, a pecuária extensiva.

Com clareza e objetividade incomum os economistas afirmam:   

Nos estados da Amazônia Legal com grande cobertura florestal remanescente, o principal programa de crédito rural, o Plano Safra, tende a apoiar a pecuária, a qual está fortemente associada ao desmatamento.

A suspensão do crédito para pecuária, que por um período de cinco anos poderia ser aplicado em atividades realizadas em área urbana com maior produtividade, traria uma redução drástica e rápida no desmatamento da Amazônia, mas essa alternativa sequer tem sido discutida por aqui.

E, na ausência de vontade política para o debate raramente aqueles que possuem simpatia pela saída econômica com o boi solto no pasto, se expõem em público pela, inevitável diga-se, defesa do desmatamento.

Diante do óbvio científico de que não se cria boi embaixo da floresta a discussão descamba para o contraditório apoio à pecuária extensiva e ao combate do desmatamento ilegal.

Insistindo na tosca ideia de que desmatamento legalizado difere do ilegal, como se o primeiro mantivesse as árvores e o segundo não, a caça aos produtores ilegais, aqueles que desmatam além do permitido pelo Código Florestal, consegue reunir imprensa, ambientalistas e, claro, os pecuaristas.

Todos no esforço de esquecer o impacto ecológico da pecuária extensiva, legalizada ou não, onde antes havia floresta.

Finalmente, o documento do Banco Mundial aponta alternativa para o desmatamento zero da Amazônia por meio do investimento em unidades de conservação florestal de maneira a superar o tempo de criar boi.

Nesse momento é importante esmiuçar as opções de política pública de desenvolvimento para Amazônia à exaustão: ou se desmata para ampliar a pecuária extensiva ou se produz riqueza com a biodiversidade florestal.

A boa notícia é que a maioria dos 198 países associados à ONU concordam que a saída econômica pela biodiversidade florestal da Amazônia prevalecerá!

Dos três vértices definidos pela teoria do Triangulo de Governo concebida pelo economista chileno Carlos Matus na década de 1970, o Projeto de Governo estabelece o rumo para engajar a sociedade e as forças políticas em uma estratégia de desenvolvimento específica para determinada região.

Considerado inovador e ousado o Projeto Florestania conseguiu angariar apoio esmagador de lideranças políticas no Acre e em Brasília, o que possibilitou a captação considerável de recursos orçamentários do governo federal em volume impossíveis de serem repetidos.

Contando com farta sustentação política local e abundante fonte de financiamento por meio de convênios em Brasília (indo além do Fundo de Participação do Estado, FPE), esperava-se que o Projeto Florestania consolidasse uma nova dinâmica econômica no Acre, elevando o PIB a um patamar superior sem ampliar o desmatamento e, o melhor, de maneira duradoura.

Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu e a economia se manteve estagnada nos níveis alcançados pela pecuária extensiva no século passado. Sem surpresa positiva, o otimismo iniciado em 1999 cedeu ao desagrado e a fatura eleitoral foi cobrada em 2018 e continuou sendo em 2022.

Resumindo, os péssimos indicadores para economia acreana foram usados para explicitar o fracasso do Projeto Florestania, que, por sua vez, contribuiu para ressuscitar o antigo agronegócio da criação de boi solto no pasto, como se fosse alternativa para o desenvolvimento.

Um paradoxo acreano com certeza!

Uma série de contradições e alguns equívocos de interpretação fizeram com que a maioria das pessoas deixassem de enxergar o óbvio. Faltou ao Florestania senso de objetividade suficiente para priorizar a exploração da biodiversidade florestal enquanto modelo econômico de desenvolvimento.

Fazendo opção pela generalização, os líderes políticos responsáveis pela concepção do desenvolvimento defendido no Florestania, não se deram conta de que a transformação produtiva em direção a biodiversidade florestal dependia de determinação política para excluir o crédito público para a pecuária extensiva.

Enfim, não bastou aprovar a Lei 1.426 em dezembro de 2001, que instituiu a Política Estadual de Florestas posto que o Florestania deveria estimular uma estrutura de suporte ao desenvolvimento em que a energia elétrica, por exemplo, nas cidades com menos de 50 mil habitantes seria gerada em caldeiras movidas à queima de madeira e sobras de biomassa florestal.

Fácil imaginar o salto econômico fornecido pelo Florestania com a criação de emprego e renda através da rentável indústria de oferta de eletricidade a ser mantida com o manejo de área insignificante da biodiversidade florestal.

O segmento industrial de energia limpa prevê a substituição do motor à óleo diesel pela queima de biomassa em caldeiras, por isso sua participação na matriz de eletricidade encontra-se em franca expansão. E mais, reduzir a participação do petróleo na geração de energia permite acesso o novíssimo mercado de carbono.   

Porém, o receio de perder votos pesou e os líderes políticos fizeram a sociedade acreditar que o Projeto Florestania incentivaria a saída econômica pela biodiversidade e pelo gado, em que pese a impossibilidade científica para se produzir em um solo com e sem floresta, respectivamente.

Logo nos primeiros quatro de uma hegemonia que durou 20 anos, poucos insatisfeitos com a generalização do Florestania foram convencidos de que o detalhamento do modelo viria com o Zoneamento Econômico e Ecológico, ZEE. O que também, como se verá, não aconteceu.

Muito pelo contrário. De fato, com a aprovação da Lei 1.904 de 2007 que instituiu o ZEE no Acre, o agronegócio da pecuária extensiva ganhou expressiva e bem localizada área de terras cobertas com florestas, em especial ao longo das rodovias BR 364 e 317, para sua ampliação com o desmatamento legalizado.

Foi a partir daí que as contradições do Projeto Florestania evidenciaram o risco do seu fracasso enquanto modelo de desenvolvimento.

As consequências do pseudomodelo não tardariam a chegar. Seus defensores perderam tempo precioso a encontrar justificativas para as elevadas taxas de desmatamento, enquanto os líderes políticos do Florestania, por mais contraditório que possa parecer, recebiam queixas de perseguição aos produtores que desmatavam.

Enfim, deixando de fortalecer a vocação florestal do Acre ao mesmo tempo em que apoiava os pecuaristas às enrustidas, o Projeto Florestania se escudou no ZEE que deveria conciliar o impossível: criar mais boi sem destruir mais floresta.

Por isso, ao vislumbrar o fracasso em 2018, com a consagração eleitoral do Projeto de Governo que ressuscitou a pecuária extensiva, ninguém ousou defender o legado do Projeto Florestania.

Entretanto resta arguir até quando o Projeto Agronegócio sobreviverá à contradição ao paradoxo de plantar capim onde havia floresta sem aumentar o desmatamento!

É só esperar.     

Enquanto persistir oferta maior que a demanda de capital subsidiado para investir na pecuária extensiva será impossível alcançar o desmatamento zero, que inclui o desmatamento legalizado e o ilegal, na Amazônia.

Todos os anos os pecuaristas na Amazônia, que em 100% dos casos usam a tecnologia rudimentar da criação extensiva de gado, podem acessar parcela generosa de recursos financeiros por meio do crédito rural subsidiado, oriundo do FNO (Fundo Constitucional do Norte) e gerenciado em grande parte pelo Basa (Banco da Amazônia).

Por outro lado, desde a conferência conhecida por Rio 92, quando o desmatamento zero na Amazônia foi transformado em prioridade mundial e, sobretudo após o Acordo de Paris, assinado em 2015, em que o governo brasileiro assumiu a meta de zerar o desmatamento até 2030, a oferta de crédito para pecuária extensiva se amplia.

Parece existir alguma contradição nisso. Por exemplo, o Basa divulga relatórios anuais de sustentabilidade exaltando o aumento do crédito para a pecuária extensiva como se não tivesse qualquer relação com a ampliação do desmatamento, fazendo parecer possível criar boi embaixo da floresta.

Por seu turno os gestores públicos, no governo federal e em todos os nove governos estaduais, incentivam, treinam e motivam o produtor para preparar o projeto de financiamento do aumento do plantel na pecuária extensiva e receber o crédito do Basa, com a condição de jurarem não desmatar mais.

A nota de rodapé chave para selar o compromisso inusitado é que o aumento das cabeças de gado solto no pasto será possível graças à recuperação de áreas degradadas pela própria pecuária extensiva. Cruzes!

Óbvio que existe um componente eleitoral contraditório que faz com que o eleitor vote em quem defende o crédito para o produtor criar boi ao mesmo tempo em que também vota no candidato que é contra o desmatamento, como se não existisse vínculo científico entre um e outro. 

Concluindo, em um cenário de excesso de subsídio, não será por força do mercado ou pela graça divina que o investimento na substituição da terra coberta por floresta e localizada próxima das rodovias por pasto deixará de aumentar.

Enquanto a defesa do agronegócio, no caso da Amazônia do agronegócio da criação extensiva de gado, se mostrar viável para os políticos ganharem votos e o retorno financeiro for atraente para o produtor, o desmatamento zero jamais será alcançado.

Alguns governos estaduais preferem defender às claras o pequeno e o grande produtor que investe na criação de gado onde antes havia uma floresta, outros fazem o mesmo de maneira camuflada.

E todos, sem entender que o mundo não vai aceitar a destruição da floresta na Amazônia, se esforçam para reduzir o tamanho da área de Reserva Legal e de outros tipos de florestas protegidas pelo Código Florestal.

Discutir o impacto do crédito público disponibilizado para pecuária extensiva na ampliação do desmatamento da Amazônia contribuirá de imediato para o desmatamento zero.

Crédito zero para criação de boi solto no pasto pode ser o ponto de inflexão que falta para o desmatamento zero na Amazônia!

Não foi a primeira e não deve ser a última cúpula da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, OTCA, realizada em sua quarta edição na cidade Belém, no Pará de 8 a 9 de agosto de 2023, que deixa de priorizar a demanda planetária pelo desmatamento zero.

Instituída como instância executiva do Tratado de Cooperação da Amazônia, assinado pelos países em 1978, a OTCA possui como associados Brasil, Colômbia, Peru, Guiana, Suriname, Bolívia, Equador e Venezuela (para saber mais acesse www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=2047).

Diante da crescente importância da Amazônia para o mundo a criação da OTCA foi uma das mais expressivas iniciativas da diplomacia brasileira que é reconhecida por sua contribuição para política ambiental internacional, em especial junto à ONU.

Não à toa, mesmo em seus momentos de maior ostracismo a OTCA sempre contou com apoio em orçamento e estrutura do governo federal brasileiro no sentido de negociar esforços conjuntos para o desenvolvimento da região.

Entretanto a articulação política para negociar ações que culminem com o desmatamento zero se mostrou bem mais complexa do que a maioria imaginava.

Ocorre que em todos os oito países sócios da OTCA a sociedade associa desmatamento com progresso, como se destruir a biodiversidade florestal poderá prover a riqueza que seus habitantes necessitam e não o contrário.

Dado que existe considerável contingente de pequeno produtor que alegam depender do desmatamento, inclusive para não morrer de fome o que nem sempre é real, o apoio da população urbana e por óbvio dos políticos que esperam seu voto vem de maneira quase espontânea.

Por isso as instituições precisam se unir no esforço de mostrar que a riqueza, ou o crescimento do PIB na Amazônia, depende da biodiversidade florestal e não do nefasto desmatamento.

Ninguém pode duvidar ou perder o foco em relação à urgência do desmatamento zero da região defendido por ambientalistas e também por instituições financeiras do porte do Banco Mundial conforme documento “Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira: Um Memorando Econômico” editado pelo economista sênior Marek Hanusch (saiba mais acesse www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=5579&artigos_ano=2023).

Perder o foco, infelizmente, tem sido uma constante nas negociações da OTCA e a bola da vez foi uma suposta exploração de petróleo na área denominada de Margem Equatorial localizada a mais de 170 Km do litoral brasileiro, mas que jornalistas preferem chamar de foz do rio Amazonas.

Pura distração, uma vez que o petróleo será extraído no curto prazo e de onde houver viabilidade e a Amazônia está distante do poço a ser, talvez, furado pela Petrobras.

Desmatamento zero deve ser a preocupação da sociedade e dos oito governantes dos países sócios da OTCA e o Brasil terá, como que se viu, que assumir a liderança!  

O Projeto de Governo, em conjunto com a Capacidade de Governo e a Governabilidade compõe o tripé que, segundo o economista chileno Carlos Matus, quando funcionam em equilíbrio fazem o sucesso de um mandato de governo, quando não, o fracasso.

Considerado ousado e inovador o Projeto de Governo Florestania, iniciado no Acre em 1999, deveria ter estabelecido as bases para um desenvolvimento econômico duradouro e orientador do futuro, mas não foi o que aconteceu. 

Com forte viés nacionalista e populista, os líderes políticos do Florestania levaram ao extremo o imaginário de um Acre revolucionário que lutou para ser brasileiro deixando em segundo plano a elevação do PIB com base na biodiversidade florestal e sem desmatamento.

Embora do ponto de vista simbólico a árvore estilizada usada como logomarca para representar o ideário envolto no Projeto Florestania tenha obtido um sucesso imediato e grandioso alterar a realidade econômica se mostrou um desafio bem mais duro que o reconhecido simbolismo.

Transformada em timbre de papel oficial, em placa de obras e broche, a árvore que alguns acharam se tratar de castanheira (Bertholletia excelsa) foi estampada na lapela de ternos de políticos de um leque eclético de partidos e, inclusive, de servidores públicos no Acre e em Brasília.

Aqui um breve adendo. A árvore de castanheira possui área de ocorrência até o rio Purus, com maior ocorrência no vale do rio Acre com poucos espécimes chegando em Sena Madureira sem passar dali em direção a Cruzeiro do Sul.

Outro adendo. A extensa área de dispersão da castanheira coincide com os municípios acreanos onde a pecuária extensiva é hegemônica. Ao desmatar para criar boi o produtor condena a castanheira à extinção uma vez que a árvore, por razões ecológicas, não sobrevive sem a floresta ao redor.

Voltando ao Florestania, ninguém pensou no dilema econômico da dicotomia castanheira versus gado, na condição de exemplo concreto para o embate entre Florestania versus Agronegócio.

Afinal, onde se cria gado não se produz castanha da mesma forma que ao adotar o modelo do Florestania a pecuária extensiva deixaria de ser apoiada pela política pública destinada ao desenvolvimento do Acre.

No fundo todos acreditaram, de pronto, que o neologismo Florestania como slogan e uma árvore como logotipo seriam suficientes para sugerir uma guinada em direção ao novo modelo de desenvolvimento ancorado na biodiversidade florestal.

E ficou nisso mesmo. Sem investir, por exemplo, na ampliação da produção de castanha-da-Amazônia, na geração de energia elétrica com madeira e no mercado de carbono, o PIB florestal ficou estagnado e tudo não passou de mero simbolismo.

Pior, o desmatamento continuou elevado pois a criação extensiva de boi incentivada com créditos do FNO geridos pelo Basa desde a década de 1970 nunca foi, de fato, abandonada a despeito dos sinais evidentes de colapso para a economia.

Resumindo, o Florestania em seu nascedouro e nos primeiros anos se preocupou em resgatar a força da identidade regional dos acreanos e não em recuperar a economia estadual.

Acreanismo se tornou a palavra de ordem em uma gestão governamental que perdeu, com o tempo, sustentação no potencial econômico da biodiversidade florestal.

Hoje parece não haver dúvida de que o resgate cultural da identidade acreana se mostrou bem mais simples que a execução da complexa política pública exigida para destravar o desenvolvimento econômico.

Enquanto isso, a defesa da riqueza existente na biodiversidade florestal como eixo para o futuro foi cada vez menos defendida pelos líderes políticos do Florestania. Mas isso é outro artigo. 

Desde que o desmatamento da floresta amazônica ganhou a primeira página dos jornais internacionais, ainda na década de 1970, que a pressão para zerar a substituição de áreas cobertas com florestas por pastos se amplia ano após ano.

O momento histórico mais importante para o alerta planetário em relação à tragédia representada pelo desmatamento ocorreu quando, ao sediar a primeira Conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável conhecida por Rio 92, os brasileiros mostraram ao mundo sua insatisfação com o modelo de ocupação da Amazônia baseado na pecuária extensiva.

De lá pra cá muita coisa aconteceu, inclusive os dois recordes de desmatamento, em 1995 e 2004, bem como o único ano em que a destruição da floresta foi inferior a 5.000 Km2, em 2012, com posterior e persistente alta até 2022.

Por mais que os atuais gestores da área ambiental do governo federal discordem, três constatações são possíveis antecipar sobre a tendencia de elevação do desmatamento da Amazônia para 2023:

Desnecessário engrossar o corolário de críticas à crise na política ambiental deixada pelo governo federal, que terminou em 2022, por desconsiderar um aprendizado institucional de mais de 30 anos no controle do desmatamento, por desmantelar o Conama, por sabotar o Fundo Amazônia e, por colocar o Acordo de Paris sob suspeição.

Por óbvio, em um contexto institucional caótico em que o Ministério do Meio Ambiente fornecia mais atenção ao lixo urbano que ao desmatamento, o resultado não poderia ser diferente, um prejuízo descomunal deixado aos brasileiros devido a destruição, nos últimos 4 anos, de 45.586 km2 de biodiversidade florestal na Amazônia.

Finalmente, nunca é demais lembrar que a realidade objetiva, ou melhor, a tendência de elevação do desmatamento anual da Amazônia, observada com leves flutuações a partir de 2012, não será alterada por força do ativismo bem-intencionado de alguns, uma vez mantidas as três constatações descritas acima.

Com muita expectativa e festejado pela imprensa o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, PPCDAm, relançado em abril de 2023, ainda não avançou na solução das três constatações.

Pelo contrário, em uma lista imensa de mais de 200 ações o PPCDAm não mexe no vespeiro, o crédito para criação extensiva de gado na Amazônia, fornecido pelo Basa, vai aumentar.    

Construir hidrelétricas em uma região que precisa estocar água para ajudar a manter elevada sua imprescindível umidade relativa, como no caso da Amazônia, deveria ser ação prioritária de política pública e reivindicação recorrente da sociedade, jamais um problema.

Entretanto, por razões difíceis de entender e sempre com certa dose de romantismo parcela considerável dos jornalistas e acadêmicos, em especial aqueles que atuam nas universidades federais, pensam e afirmam o contrário.

Não conseguem enxergar no aproveitamento da potência hidráulica das águas uma solução econômica, social e ecológica adequada à realidade do ecossistema florestal da região.

Pior, não entendem que a força da água é uma das fontes menos poluentes de energia e, sob alguns aspectos, a fonte de menor impacto ambiental quando se prioriza a oferta de energia elétrica.

E, o melhor e mais importante, a tradição da engenharia civil nacional, conquistada após a construção de mais de 130 usinas de médio e grande porte, se tornou referência mundial e os engenheiros brasileiros ergueram barragens e colocaram hidrelétricas em operação em vários continentes.

Conhecida por “terra das águas” a Amazônia brasileira ostenta na geração de energia por usinas hidrelétricas e na biodiversidade florestal duas de suas principais vantagens comparativas.

Resumindo, deixar de promover o potencial econômico das águas e da biodiversidade florestal na Amazônia parecerá perante o mundo, no mínimo, muita insensatez.

Enquanto por um lado a privatização, bem-vinda para universalização do acesso no setor elétrico, reduziu a ingerência da política na análise da demanda pela instalação de novas usinas hidrelétricas na Amazônia, por outro lado a exploração comercial da biodiversidade florestal esbarra em um conjunto extenso de exigências um tanto inexplicáveis.

Na imaginação da maioria existe uma riqueza escondida na floresta da Amazônia, nos moldes do famoso e histórico eldorado, que pode ser a todo tempo e por qualquer explorador saqueada.

Apesar de nunca ter sido identificada, essa riqueza de saque fácil desperta a cobiça internacional pela Amazônia, o que reforça a tese de um plano de invasão pelo império americano ou de um complô mundial arquitetado para roubar dos brasileiros a rica biodiversidade florestal da Amazônia.

Ninguém é capaz de explicar a origem da riqueza, muito menos de que maneira aconteceria o saque e o roubo da biodiversidade, mas é certo que está acontecendo todos os dias.

Agora pense por um momento em dois raciocínios distintos, porém próximos. O primeiro afirma a existência da riqueza que pode surgir da descoberta de remédios milagrosos que estão escondidos na biodiversidade florestal.

O segundo raciocínio afirma que essa riqueza, além de biopirateada à luz do dia seria cobiçada pelo mundo e que a invasão da Amazônia por outros países acontecerá sem que os militares brasileiros percebam.

Claro, que tudo não passa de fértil e inútil imaginação.

O fato é que a riqueza ainda não foi descoberta e a preocupação de todos os 195 países que assinaram o Acordo de Paris, em 2015, é uma só: evitar a destruição da floresta na Amazônia.

Todos se unem ao esforço planetário para resolver o problema do desmatamento zero da Amazônia e está na biodiversidade florestal, por óbvio, a melhor solução.

Parcela considerável dos brasileiros acreditam, mesmo sem qualquer evidência aceitável, que a Amazônia é saqueada todos os dias pelo crime de biopirataria, que os outros países de maneira direta ou indireta cobiçam a região e, o mais grave, que em algum momento será assimilada pelo imperialismo americano.

Sem que haja algum esclarecimento vindo da imprensa, que prefere replicar sem pudor as mesmas tolices de influenciadores e políticos populistas de esquerda e direita, a sociedade termina por crer que existe alguma verdade. Mas não existe!

Muitos devem pensar que falsas verdades desse tipo lotam a sala de imprensa, inclusive de alguns órgãos públicos, e que essas três tolices poderiam passar despercebidas não houvesse um problema grave.

Desde a Rio 92, quando a ONU se reuniu em sua segunda conferência sobre desenvolvimento e meio ambiente, que o mundo aguarda pelo desmatamento zero da Amazônia, uma meta que se distancia posto que tolices contaminam a discussão de uma política pública adequada à vocação florestal da Amazônia.   

Há ainda uma distração tentadora que justifica vez ou outra, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI, com objetivo de averiguar o envolvimento de alguma Organização Não Governamental, ONG, na execução de uma ou mais dessas tolices.

Ao todo três CPIs das ONGs, como os jornalistas gostam de chamar, foram concluídas e não trouxeram benefício social, ecológico ou econômico para compensar seus altos custos para o erário federal.

Incansáveis, os senadores instalaram a quarta CPI das ONGs dia 14 de junho de 2023.

Dessa vez terá foco, se é que existe alguma objetividade em CPI, no financiamento fornecido pelo Fundo Amazônia para as entidades que atuam na região.

Serão avaliados uma lista grande de projetos que, por sinal, passaram pelo crivo dos especialistas em auditoria realizada pelo conceituado Tribunal de Contas da União, além do monitoramento realizado pelos noruegueses e alemães que os principais países doadores.

Seguindo o mesmo itinerário espalhafatoso das anteriores a nova CPI das ONGs não deve surtir em benefício para a sociedade, enquanto o custo para o orçamento público continuará elevado.  

Políticos no geral preferem a tolice de que os americanos teriam interesse em expandir sua presença militar na Amazônia, algo improvável, mas eles não estão sozinhos.

Ambientalistas, por seu turno, preferem repetir a tolice da biopirataria como se fosse algo provado e são bem recepcionados pela imprensa. Com discurso bastante semelhante ao dos políticos e contando, muitas vezes, com apoio incompreensível de universidades fazem duas afirmações bem perigosas.

A primeira que a biodiversidade florestal da Amazônia é um tesouro ainda por ser descoberto, o que não é bem verdade. A segunda que a riqueza pode ser saqueada por qualquer um. O que é mentira.  

Na visão tola de alguns, o tesouro seria a descoberta da cura de câncer e de alguma doença que aflige a humanidade ou, quem sabe, no veneno do sapo que acaba com a depressão, mas nunca de um leque variado de produtos da biodiversidade florestal com potencial de mercado comprovado agora.

Esquecem que estudo de prospecção biológica para chegar a alguma descoberta excepcional leva mais de vinte anos e exige investimento permanente. Concluindo, dinheiro para aplicar em biotecnologia e por fim às tolices caso sejam disponibilizados com a privatização do imprescindível Centro de Bionegócios da Amazônia. É esperar para ver!

Com tecnologia inovadora, que prevê a construção de habitações em módulos de painéis confeccionados em madeira e logo depois encaixados no pátio da própria obra, uma empresa de Araucária, Paraná, venceu licitação do governo de São Paulo para reduzir déficit habitacional devido à tragédia no litoral norte.

Um total de 518 residências, entre apartamentos e casas de madeira, serão entregues às famílias desabrigadas após os temporais e consequente deslizamento de morro impróprio à ocupação em São Sebastião, no litoral paulista.

Além do emprego da madeira como elemento estrutural principal na construção civil, seguindo uma tendência observada em toda Europa e na Ásia, a Tecverde, empresa vencedora da licitação, ainda ressalta duas vantagens cruciais: preço e rapidez.

Por óbvio, o valor inferior por unidade habitacional e a rapidez na fabricação do painel e a montagem em local definitivo foram decisivos para que a empresa vencesse o contrato licitado, orçado em 72 milhões de reais. 

Madeira de reflorestamento, como as tradicionais árvores das espécies pinus e eucalipto, são mais baratas que o uso do concreto armado, em especial após a elevação do preço do cimento e do ferro decorrente da flutuação no mercado de petróleo.

Contudo, a rapidez da construção para atender a demanda emergencial das famílias atingidas foi fator decisivo no diferencial de competitividade da Tecverde.  

Por incrível que pareça no método baseado em encaixes dos painéis de madeira, reduzindo ao mínimo o emprego de pregos, parafusos e cantoneiras, uma pequena equipe de cinco trabalhadores especializados consegue a proeza de entregar seis casas prontas em apenas um dia de montagem.

Após a terraplanagem e preparação das fundações na nova área residencial próxima a que foi levada pela enxurrada, um conjunto habitacional com 480 apartamentos e 38 casas de até 47 m2 será erguido com a montagem da Tecverde e poderão ser ocupados pelos desabrigados, antes do final do ano.

Há ainda um terceiro diferencial competitivo que apesar de pouco considerado no processo licitatório do governo paulista possui extremo significado internacional no enfrentamento da atual crise ecológica e após a assinatura do Acordo de Paris, em 2015.

Madeira é matéria-prima carbono zero.

Desde 2010 vários artigos publicados nesse espaço ressaltaram a superioridade da madeira frente ao concreto armado para a sustentabilidade ecológica das construções (para saber mais acesse http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=2031).

Não à toa, no Japão está sendo edificado, pela empresa Sumitomo Forestry, em plena Tóquio, um edifício de 70 andares, todo em madeira (para saber mais acesse http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=4137).

Para completar na Holanda, a Prefeitura de Amsterdã aprovou projeto de um bairro inteiramente constituído por edificações em madeira. Por inteiramente, entenda-se: tudo mesmo! (para saber mais acesse http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=5328).

Há tendência mundial no uso de madeira em construções e a razão é simples: o carbono retirado da atmosfera pelas árvores plantadas será estocado na obra por anos.

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