Usando a tese do Triangulo de Governo, concebida na década de 1970 pelo chileno Carlos Matus, para analisar a guinada política ocorrida no Acre em 2018, percebe-se que o vértice da Capacidade de Governo, da Governabilidade e do Projeto de Governo não avançaram em equilíbrio.

Acontece que, como analisado em artigos anteriores, o Projeto Florestania optou pela generalidade sendo omisso em decidir entre o apoio ao agronegócio da pecuária extensiva ou ao uso econômico da biodiversidade florestal como referência para o modelo de desenvolvimento.

Sem contar com a orientação e determinação dos líderes políticos que conquistaram cinco sucessivos mandatos eleitorais, o embate biodiversidade versus pecuária no Projeto Florestania foi vencido no momento da execução segundo o pensamento de cada equipe de técnicos que atuava em órgãos distintos.

No conhecido salve-se quem puder, em um primeiro momento a maior parte dos especialistas atuou de modo a promover a força econômica da biodiversidade florestal e após o primeiro mandato, de uma hegemonia que durou 20 anos, descambou para o apoio à criação extensiva de boi.

Por sinal, quando chegou em 2018 e nos quatro anos depois em 2022, a equipe técnica que fornecia Capacidade de Governo ao Projeto Florestania deixou tanto de questionar a deficitária economia da pecuária quanto de defender a saída pela floresta.

Desculpe leitor, mas cabe aqui uma pergunta inevitável.

Se a equipe técnica que conduziu a Capacidade de Governo dos primeiros anos, mesmo com visível timidez, pendeu para o modelo de desenvolvimento da biodiversidade florestal e o desmatamento zero, qual a razão para voltar as atenções para o agronegócio da pecuária no período posterior a 2006?

Diante de tal complexidade, a resposta exige uma avaliação mais detalhada com relação ao perfil dos especialistas que conduziram a Capacidade de Governo entre 1999 e 2018, o que foge ao escopo desse tipo de artigo.

Há, contudo, duas variáveis de peso considerável nessa análise: a aprovação do Zoneamento Econômico-Ecológico, ZEE, e os necessários empréstimos bancários demandados para pavimentar ruas e construir a infraestrutura requerida pelo desenvolvimento econômico do Acre.

Deixando a discussão sobre o ZEE para mais adiante, conseguir captar os recursos junto ao competitivo sistema financeiro, em que organizações do porte do Banco Mundial (Bird), BNDES e Banco Interamericano (Bid) recebem centenas de projetos todos os anos, requereu do governo do Acre metas rígidas e verificáveis para alcançar o desmatamento zero.

Vários foram os apoios financeiros, reembolsáveis e a fundo perdido, emprestados e doados respectivamente, captados entre 1999 e 2001, por meio de projetos considerados inovadores pelos analistas de crédito dos bancos.

Desnecessário reiterar que em todos os projetos elaborados nesse período a sustentabilidade e o respeito ao meio ambiente, traduzidos como redução do desmatamento era a peça-chave.

Não à toa, todas as notas de rodapé das propostas traziam a máxima de um desenvolvimento viável para economia, sem desmatamento ou equilibrado do ponto de vista ecológico e socialmente justo.

Por óbvio, a marca com o diferencial ecológico alcançado pelo Acre em sua histórica defesa da floresta, em que figuram heróis como Chico Mendes, convenceu os agentes financeiros a destinarem expressivas quantias ao setor primário do Acre.

BNDES, Bird e Bid, os três maiores financiadores do desenvolvimento no Acre, apostaram na saída econômica pela biodiversidade florestal se tornando fiel da balança para que a Capacidade de Governo seguisse nesse rumo.

Políticas públicas aprovadas na fase inicial do Projeto Florestania incluíram a construção da indústria de pisos, da Natex, de algumas usinas de borracha e de Castanha-da-Amazônia, além do polo moveleiro e aprovação de quase 20 mil hectares de manejo florestal comunitário. Todas com apoio da tríade BNDES, Bird e Bid.

Pode-se afirmar, sem medo de errar, que o argumento da exploração econômica da biodiversidade florestal foi o que diferenciou o Acre e atraiu esse seleto grupo de investidores.

Improvável, no mínimo, que a tríade arriscasse sua reputação financiando uma atividade econômica que, de maneira direta ou sinuosa, destruísse a floresta.

Porém, após aprovação do ZEE a influência da tríade se reduziu e a equivocada racionalidade eleitoral levou a Capacidade de Governo para o agronegócio do boi.

Mas isso é outro artigo.

Poucos se deram conta, mas tudo indica que as estatísticas atuais de produção do agronegócio do Acre bem como suas projeções para os próximos 20 anos, não se mostraram atrativas para justificar investimentos na integração regional.

Nada mais compreensível que a sociedade acreana se distancie do debate, complexo diga-se, sobre o processo de integração da economia estadual na região amazônica e, por óbvio, com os países fronteiriços.

Entretanto não há justifica para que os gestores de governo e os políticos com mandato na Assembleia Legislativa e no Congresso Federal (deputados e senadores), não se envolvam na definição das obras para a logística que irá promover a integração econômica com o Peru e a Bolívia, por exemplo.

Na expressão “ponto cego” do título reside a definição mais acertada sobre o destino da economia no Acre, uma vez que o Mercosul aprovou cinco Rotas de Integração comercial que, em um olhar mais aproximado, coloca a economia estadual e uma situação, no mínimo, preocupante.

Fundado em 1991 o Mercosul é uma resposta da América do Sul ao bloco econômico criado na Europa e na América do Norte. Em termos práticos tem por objetivo ampliar a quantidade de bens e trabalhadores que circulam entre os países do bloco, de maneira diferenciada e facilitada, em relação aos países que estão fora do bloco.

Regras alfandegárias para passagem de caminhões, barcos e trens, foram flexibilizadas e a mobilidade das pessoas entre os países, sem precisar de passaporte por exemplo, foram permitidas de modo a intensificar o contato e o intercambio comercial entre os povos.

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai são países fundadores e o bloco atualmente possui outros sete países associados, incluindo a entrada da Bolívia que se encontra em trâmite para validação.

Em reunião realizada no início de 2024 o bloco aprovou, por unanimidade, o investimento em projetos para construção de ferrovias, hidrovias e rodovias, que vão fortalecer a logística e ampliar, de maneira considerável nos próximos dez anos, a quantidade de mercadorias e pessoas que transitam em todo continente.

Um conjunto de cinco rotas comerciais foram definidas, incluindo a ligação do Amazonas com o Equador, Roraima com a Venezuela e o Amapá com a Guiana, com o propósito de melhorar a dinâmica econômica no extremo norte do país.

Da mesma forma que para o extremo sul a prioridade será a infraestrutura de logística para o comércio entre os gaúchos brasileiros com o Uruguai, Argentina e Chile.

Contudo, os investimentos de maior significado para os acreanos se encontram na integração da região centro-oeste do país.

Partindo de Rondônia, mas com concentração mais expressiva de recursos financeiros no Mato Grosso do Sul, o transporte de cargas dos produtores brasileiros, em especial grãos e celulose de eucalipto, devem chegar ao Oceano Pacífico sem precisar rodar até o porto de Santos, no Oceano Atlantico.

Com o sugestivo nome de Rota de Capricórnio, a logística partirá dos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, que serão ligados por via fluvial, ferroviária, aérea e rodoviária com o Paraguai, Argentina e Chile.

Pela porção sudoeste de Rondônia, após as cidades de Pontes e Lacerda os investimentos vão ser orientados segundo a Rota do Quadrante Rondon, incluindo a ponte entre Guajará-Mirim e a Bolívia.  

Tudo indica que o antigo e repetido sonho de uma rota comercial em direção ao pacífico passando pelo Acre foi somente sonho e nenhum político acreano se deu conta.

Em uma decisão aplaudida pelos ambientalistas a União Europeia aprovou o marco temporal do desmatamento de florestas, quando realizado para produção de comodities do agronegócio.

Pela nova normatização, não entrará no mercado europeu produtos, sobretudo carne bovina e soja, oriundos de países em que as áreas de florestas usadas para o cultivo tenham sido desmatadas após dezembro de 2020.

Por mais que pareça superficial a regra possui extrema facilidade de aplicação, em comparação com o clássico e complexo rastreamento da cadeia produtiva, posto que a comprovação do ano em que se deu o desmatamento pode ser feita com simples observação de imagens de satélites disponíveis e de baixíssimo custo em todos os países.

Embora a regra seja válida para importações de todos os continentes o recado para os produtores localizados na Amazônia parece bastante claro.

Mesmo que a participação dos europeus na exportação do agronegócio brasileiro não chegue a 20%, decerto os produtores envolvidos com a pecuária extensiva na Amazônia devem receber o maior impacto da medida.

Choradeiras à parte é bem-vinda toda decisão de política econômica aprovada em nível nacional e internacional que ajude a inverter a tendência de alta do desmatamento na Amazônia, observada desde 2012, único ano em que ficou abaixo de 5 mil quilômetros quadrados.

Reduzir a fatia de mercado e a consequente competitividade da pecuária extensiva, atividade que ocupa aproximados 80% da área destinada para a agropecuária, contribuirá no curto prazo para o desmatamento zero da Amazônia.

A determinação dos europeus, por sinal, suscita um dilema antigo, que perdura há mais 50 anos, em relação ao crescimento econômico a partir da pecuária extensiva ou da biodiversidade florestal.

Alguns defendem que a vocação produtiva natural da Amazônia são as terras (e não a floresta e as águas), embora exista farta literatura científica sobre a qualidade inferior da fertilidade dos solos amazônicos em comparação com os da região sudeste do país.

Outros, com amplo apoio internacional e de parcela do movimento ambientalista nacional, assumem que a exploração comercial da biodiversidade florestal pode prover a melhoria da qualidade de vida demandada pela população da região.

A partir do basta na usual justificativa do desmatamento para alimentar o mundo, como fez a regra aprovada na Europa, a defesa que todos, sem exceção, os atuais governos estaduais amazônicos fazem da destruição florestal inevitável para aplacar a fome se tornou, no mínimo, constrangedora.

Tudo indica que os defensores da saída econômica pela floresta, ou da bioeconomia como preferem os planejadores do governo federal, venceram o dilema e a ONU, em vários momentos, alertou o Brasil sobre a escalada do desmatamento na região.

Ninguém deixará de lembrar que os fundos de investimentos internacionais, que costumam fazer vista grossa para a gritaria ambientalista, se curvaram diante do impacto das mudanças climáticas decorrentes da substituição das árvores da Amazônia por capim.

Finalmente, todos reconhecem que não será nada fácil reduzir a hegemonia econômica da pecuária extensiva na Amazônia em pequena e grandes propriedades, mas o marco temporal do final do desmatamento legal ou não amarrado em 2020 foi um passo de importância considerável.

Mas uma coisa é certa, diante de uma área desmatada em 2019, 2018 e assim por diante, na Amazônia parecerá melhor ao importador europeu que não corre riscos, comprar a vaca dos gaúchos!

Um relatório pouco animador foi publicado em 19 de março de 2024 pela Organização Meteorológica Mundial, OMM, organismo vinculado à Organização das Nações Unidas, ONU, que reúne cientistas de todo mundo para monitorar as condições climáticas no planeta.

Em sua divulgação para a imprensa a OMM afirmou que estava fazendo um “Alerta Vermelho” para o mundo na tentativa de chamar atenção para a gravidade e emergência do aquecimento e as consequentes mudanças no clima planetário.

Segundo o relatório sobre o “Estado do Clima Global” no geral o calor ou a média de temperatura do planeta foi, em 2023, a mais elevada de uma série histórica robusta de estatísticas observadas em 174 anos de medições e chegou a 1,45º (graus celsius) superiores à temperatura no período anterior à revolução industrial.

Não precisa ser cientista para perceber que o Alerta Vermelho da ONU pretende balançar os países, ou melhor, os políticos que estão no poder, foram eleitos e, por conta disso, devem assumir a liderança de projetos de descarbonização de suas economias.

Existe certeza científica suficiente para adoção de ações voltadas à redução da produção de carbono, de um lado, e, no outro lado da equação,  para retirada do carbono colocado na atmosfera pelo modelo atual de economia que se ancora em combustíveis fósseis, leia-se petróleo.

Afinal, as causas são mais que conhecidas e o mundo precisa de projetos de contenção com pressa nunca vistas.

Significa afirmar, por exemplo, que a produção de energia, sobretudo a elétrica, deve priorizar a construção de hidrelétricas e a queima de biomassa florestal, que fornecem maior segurança à matriz de eletricidade, bem como sua complementação com as fontes intermitentes, solar e eólica.

Em outra frente o mundo deve forçar a retirada, no curto e médio prazo, do carbono que se encontra retido na atmosfera.

Plantar florestas e, o mais urgente hoje, zerar o desmatamento de florestas nativas no mundo, deve congregar esforços das economias em todos os países, mas especialmente nas regiões cobertas pelo bioma Amazônia.

Nesses pontos, o Brasil pode ser uma referência mundial.

Tanto na ampliação do aproveitamento da força das águas, construindo usinas hidrelétricas onde for possível, quanto na redução drástica do desmatamento da floresta amazônica.

No caso especial da Amazônia a construção de hidrelétricas se mostrou, após mais de 50 anos de análises, medida acertada para trazer riqueza ao tempo em que reduz o desmatamento na região.

Voltando ao tenebroso Alerta Vermelho da OMM e da ONU, existe um fato deveras preocupante e que, até o momento, tem recebido pouca atenção dos envolvidos na análise das alterações do clima planetário: a água do oceano foi a mais quente após 65 anos de medições.

O calor dos mares e oceanos adquire preocupação excepcional em decorrência da capacidade da água reter calor por muito mais tempo que a atmosfera.

Isto é, o calor registrado nas águas superficiais de mares e oceanos no mundo, em 2023, pode ser considerado irreversível e dependerá de centenas de anos para retornar ao ponto anterior.

Conclusão, num raríssimo jogo de ganha-ganha deveremos construir mais hidrelétricas na Amazônia, reduzir o desmatamento e avançar na nova economia.

Por óbvio, todos que se preocupam com os destinos do Acre sentiram os impactos de uma alagação que deixou milhares de desabrigados e causou prejuízos econômicos incalculáveis, mas a pergunta é incontornável: e agora?

Não é preciso se afastar do Acre para encontrar uma produção científica robusta sobre os fenômenos das alagações e das secas, em especial nos rios Purus e Acre.

De Manuel Urbano passando por Sena Madureira até os oito municípios servidos pela bacia do rio Acre, há informação suficiente para definição com muita segurança de uma política para aumentar a resiliência dos rios e a resistência pública.

Sendo assim, quais as razões para os acreanos se afundarem em um sentimentalismo repetido de forma quase anual em relação às alagações e, mais recentemente, às secas.

Difícil responder, entretanto, como afirma a ciência política, a elevação de uma agenda humanitária recorrente em pauta para política pública costuma exigir bem mais que teorias e base científica.

Tal como aconteceu com as várias soluções que amenizaram os impactos da seca na caatinga e tiraram o nordeste brasileiro da ladainha do noticiário anual das tragédias nacionais, o investimento da política pública acontecerá somente quando a mobilização e compreensão social sobre a alagação orientar o processo eleitoral.

Explicando melhor.

Esse ano, 2024, haverá eleições para vereador e prefeito. Sem exceção todos os candidatos, na capital e no interior, que almejam uma vaga no parlamento ou como gestor da cidade, vão defender a criação extensiva de gado como atividade econômica primordial para o desenvolvimento do Acre.

A compreensão social dos acreanos sugere que investir no agronegócio, que, no caso acreano, se resume quase que exclusivamente na pecuária extensiva, não consegue fazer uma associação de causa e efeito bem simples: cada boi sobrevive, em média, de dois hectares de pasto.

Avançando um pouco mais no raciocínio, não faz a ligação crucial de que nos dois hectares de pasto usados para criar apenas um boi havia antes uma floresta tropical com mais de 400 árvores e arbustos que recebiam o impacto das chuvas antes dos rios.

Finalizando o raciocínio, restaria vincular ainda o desmatamento para plantar capim com a alagação.

Muitos vão gritar que o desmatamento é um processo inevitável e natural para a ocupação produtiva do território e a alagação é causada pelo El Niño ou outro fenômeno climático qualquer, resumindo todo um leque de distrações na expressão: choveu mais em duas horas que …

Associar desmatamento com alagação e seca é ponto inicial para ajudar a inserir os transtornos de excesso e falta de água no rio Acre em um problema que possui solução por meio da política pública na cidade e no Estado.

Existem soluções e ciência para resolver a tragédia da alagação com o dinheiro público existente no orçamento estadual e municipal, sem ter que apelar para a sensibilidade da União. Pode parecer inacreditável, mas não é!

 Finalmente, nunca é demais repetir.

Não foi São Pedro que mandou chuva demais agora ou mandará de menos quando chegar em julho, o problema tem origem no desmatamento que faz com que a chuva de São Pedro escorra de uma terra vazia de árvores para o rio, se transformando em alagação ou seca, respectivamente.

Controlar e encontrar solução para abandonar a nefasta era da criação de um boi solto em dois hectares de floresta que virou pasto é a solução.

Somente para lembrar, pela teoria do Triangulo de Governo elaborada pelo economista chileno Carlos Matus ainda na década de 1970, enquanto o Projeto de Governo estabelece um rumo e a Governabilidade fornece estabilidade política, a Capacidade de Governo se refere a estrutura operacional que cria condições para realizar obras e investimentos.

Juntos formam o tripé, ou triangulo, que uma vez conduzidos de maneira equilibrada e de acordo com os pesos e contrapesos de uma democracia acarretam o sucesso de um mandato, do contrário, o fracasso.  

Como analisado em artigos anteriores o Projeto Florestania enfatizou o resgate de valores culturais de um acreanismo adormecido, sem decidir por apoiar o agronegócio da pecuária extensiva ou a exploração da biodiversidade florestal enquanto modelo de desenvolvimento econômico para o Acre.

Ao decidir pela generalização inclusiva, onde entrava o pecuarista e o extrativista, os líderes políticos do Florestania transferiram o conflito entre os dois modelos para a rotina diária da Capacidade de Governo.

Isto é, com pouca ou nenhuma orientação superior oriunda dos detentores de mandato eleitoral, ficou à cargo da equipe técnica as decisões rotineiras de execução que penderam para um e outro lado dos modelos.

Há, contudo, um registro histórico inescapável.

Antes do Florestania ser alçado à condição de Projeto de Governo em 1999, um conjunto de seis organizações não governamentais (ONG), ou da sociedade civil para usar uma denominação menos preconceituosa, discutiram e detalharam vários pontos do que chamavam de “saída econômica pela floresta”.

Muitos haverão de recordar que nos idos de 1988, quase dez anos antes do Florestania, com apoio técnico imprescindível do Centro de Trabalhadores da Amazônia, CTA, as ONG’s do Acre garantiram a regularização de mais de 2 milhões de hectares em Reservas Extrativistas, Resex.

Não à toa a invenção da Resex e a concepção da tecnologia do manejo florestal comunitário são dois legados do Acre para a política florestal na Amazônia.

Em síntese, dentro da Resex a agricultura de subsistência e a pecuária não podem ser realizadas com interesse comercial e a geração de renda vem, exclusivamente, da exploração sustentável da biodiversidade florestal, o que, por conseguinte, impede que o desmatamento presente na área do entorno se alastre.

Dessa maneira, com quase metade do território do Acre destinado, por força da legislação fundiária, a comercialização de produtos extraídos da biodiversidade florestal existente na Resex, o desenvolvimento econômico estadual deixaria de depender do nefasto desmatamento.

Do ponto de vista político, as ONG’s atuantes no Acre, desde o final da década de 1980, depositaram irrestrito apoio à ampliação de terras com florestas para que a biodiversidade florestal funcionasse como contraponto à criação extensiva de boi atraindo investimento estatal e da cooperação internacional.

Mais que apoio político, técnicos qualificados nas ONG’s migraram para a estrutura pública, na vã expectativa de que em cargos de direção direcionariam a Capacidade de Governo para colocar em prática o Projeto Florestania que excluía a pecuária extensiva.

No início até que deu certo. Nos primeiros seis anos de uma hegemonia que durou 20, o Florestania promoveu atividades vinculadas ao uso comercial da biodiversidade florestal.

Em 2001 foi aprovada a Lei 1.426 que instituiu a Política Estadual de Florestas que proporcionou a criação da Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo, de início subordinada a Secretaria de Produção e no ano seguinte transformada em Secretaria Estadual de Floresta.

Foi nesse período também que se construiu a fábrica de pisos de Xapuri, uma indústria moderna e automatizada voltada para produção de tacos com a madeira produzida no manejo florestal comunitário praticado na Resex.

Ainda em Xapuri se instalou a Natex, uma fábrica de preservativos masculinos de última geração a ser abastecida com a borracha nativa das colocações de seringa ocupadas pelos extrativistas na região do alto rio Acre.

Finalmente, foi fundamental o papel dos profissionais que tinham trabalhado com a visão da saída pela floresta em ONG para o fortalecimento da Capacidade de Governo que priorizou a interpretação do Florestania sem pecuária extensiva.

Por sinal, foi com base na experiência adquirida por esses técnicos que se aprovou três grandes projetos de financiamentos bancários, considerados decisivos para o modelo de desenvolvimento do Acre baseado na biodiversidade florestal. Mas, isso é outro artigo.    

Há 20 anos, um conflito entre o Ministério da Agricultura e o de Meio Ambiente dominou os noticiários com declarações fortes a favor e contra, respectivamente, a produção de alimentos modificados geneticamente, que os jornalistas chamam apenas de transgênicos.

Naquela época, ambientalistas pouco preparados e com posição radical contrária aos transgênicos defendiam que os rótulos dos produtos, sucrilhos por exemplo, que usassem milho modificado estampasse, não somente no rótulo mas nos materiais de divulgação, um alerta para o consumidor do tipo: cuidado, produto transgênico.

Muitos cientistas, inclusive aqueles que atuavam junto a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, CTNBio, esclareceram que os transgênicos haviam sido mais estudados que os produtos geneticamente melhorados por cruzamentos ao longo do tempo e que não havia dúvida sobre sua segurança para consumo.

Os mesmos ambientalistas, por suposto, que hoje apontam o dedo para negacionistas da ciência em relação à vacina da Covid, se negaram a ouvir a CTNBio e os pesquisadores sobre os benefícios econômicos e, óbvio, ambientais das sementes transgênicas uma vez que exigiam menos defensivos agrícolas para cultivar.

Claro que com o passar do tempo o cultivo de sementes melhoradas foi ampliado em todo mundo e a rotulagem ambiental não impediu que a ciência confirmasse sua irrefutável prevalência sobre a escuridão.

Deixando os transgênicos de lado, o conflito sobre a exploração da margem equatorial, uma área imensa de águas profundas localizadas no Oceano Atlântico muito acima do litoral do Amapá, mas que para o Ibama e alguns jornalistas desinformados faz parte da foz do Rio Amazonas, coloca de um lado o Ministério do Meio Ambiente e de outro o Ministério das Minas e Energia.

Nem precisa reforçar que os ambientalistas radicais negam a exploração de petróleo em qualquer lugar mesmo que a ciência afirme ser possível, enquanto os engenheiros da energia e muitos cientistas afirmem que a transição energética em direção às fontes de geração limpa ainda dependerá de muito petróleo.

Há fartura de estudos sobre a relevância da extração de petróleo onde for possível até 2050, quando a oferta de eletricidade limpa, aquela que vem do sol, do vento, da água e da biomassa dominará o mercado.

Não à toa, o parecer da Advocacia Geral da União – AGU, publicado recentemente, deixa claro que a exigência do Ibama por estudos denominados de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar não faz sentido agora, na fase de prospecção da viabilidade da exploração de petróleo na Margem Equatorial.

Mais grave, segundo a AGU o leilão de outorga que aconteceu em 2013 autorizou o processo até a fase atual, por isso uma junta de conciliação entre os ministérios deveria ser instalada com objetivo de encaminhar a prospecção e atender, no que for plausível pela ciência, a demanda dos ambientalistas.

Tal qual o imbróglio dos transgênicos em 2003, o petróleo da Margem Equatorial pode tirar alguns da área ambiental do governo. Espera-se que somente os radicais.

Existe uma dificuldade crônica e, até hoje, insuperável para industrializar um leque de produtos oriundos da biodiversidade florestal da Amazônia e duas verdades científicas ajudam a explicar o impasse na indústria da biodiversidade.

De um lado há elevados riscos para conseguir retornos compatíveis aos investimentos quando se trata da manufatura de sementes florestais, óleo de buriti ou seiva de jatobá, por exemplo.

Por outro lado, as dificuldades criadas pelos órgãos de controle ambiental, sobretudo o Ibama e ICMBio, adicionam aos riscos inerentes ao retorno do capital uma insegurança jurídica que torna o investimento particular quase inacreditável.

É notória e reiterada tal qual ladainha pelo empresariado regional a hostilidade dos técnicos e fiscais da esfera ambiental nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) quando requisitados para elaborar parecer sobre algum tipo de investimento empresarial privado na Amazônia.

Some-se ao risco econômico, à insegurança jurídica e à hostilidade dos analistas de órgãos ambientais uma ausência inexplicável de tradição nacional para investir na industrialização seja do que for.

Como explicam os estudiosos acontece que a industrialização por aqui chegou mais tarde, bem depois de assentar nos países do hemisfério norte.

Até 1808, quando o país saiu do isolamento com a abertura dos portos por Dom João VI, a manufatura não avançou porque a prioridade de Portugal residia na exportação de produtos agrícolas.

Mais tarde, após a independência em 1822 o desafio seria atrair e formar trabalhadores para atender a demanda da indústria, uma tarefa que se mostrou complexa demais em um país de predominância rural.

Para os pensadores sobre a formação social e econômica do Brasil, em especial Caio Prado Júnior e Celso Furtado, o povo brasileiro emergiu da conjugação de processos históricos e de uma mestiçagem intensa do português com negros e indígenas, além do contingente de imigrantes europeus e asiáticos recebidos para absorção pela indústria.

Sendo assim, estaria no enraizamento e afinidade extrema da população com a economia representada pelo setor primário uma das justificativas para explicar, em parte, a tardia industrialização nacional e quase inexistente na Amazônia e, com muita razão, o histórico peso do agronegócio para o PIB nacional.  

Todavia, há uma exceção alentadora. O Brasil é líder mundial nas indústrias do setor florestal e na manufatura de produtos oriundos de florestas plantadas de eucalipto e pinus.

Trazer essa liderança de mercado para o beneficiamento industrial da biodiversidade florestal da Amazônia pode ser a saída.

Afinal, ampliar a competitividade da biodiversidade florestal promovendo sua industrialização por meio de uma política industrial conduzida pelo governo federal significaria estabelecer mecanismos permanentes que fortaleçam seu potencial para gerar riqueza.

E ninguém pode duvidar de uma coisa: a industrialização da biodiversidade florestal é a melhor resposta para o desmatamento zero da Amazônia.

Existe um exemplo, didático e bastante repetido nas faculdades de Engenharia Florestal país afora para explicar a relação entre a quantidade de carbono, que é o principal responsável pelo aquecimento do planeta de maneira perigosa, existente na atmosfera e as árvores.

Para quem desconhece o tema a árvore é formada, basicamente, de lignina e celulose. A primeira é muito usada na indústria de colas e tintas. A celulose, por sua vez, é bem mais conhecida e está presente no cotidiano.

Após passar por um processo industrial um tanto simples, a celulose se transforma em cadernos, notas de dinheiro, envelopes, fraldas e um monte de tipos de papeis para escrita e impressão.

Com variações entre as espécies arbóreas, mais de 80% do peso das árvores representam compostos de carbono, ou seja, a cada tonelada de madeira tirada das árvores 800 quilos, no mínimo, é carbono.

Voltando ao exemplo didático, devido à altíssima concentração de carbono na madeira das árvores, estima-se, de maneira bastante rudimentar, que um bloco ou um cubo sem ocos, bem sólido, de madeira contendo 100 quilômetros de lado, concentraria quase a totalidade de carbono existente na atmosfera.

Ao manter essa quantidade de carbono estocado no bloco de madeira, o aquecimento do planeta seria estancado e, uma vez conservado o estoque permanente no bloco, a temperatura no mundo regressaria ao período anterior ao uso industrial do petróleo e nós não correríamos o risco de morrer de calor.

Essa é uma ideia fácil de explicar e de entender em que se baseia na proposta, encabeçada pelo engenheiro florestal alemão Tim Christophersen, um dos gestores da empresa Salesforce, reconhecida por apoiar projetos de reflorestamento e que obteve receita de quase 32 bilhões de dólares em 2023.

Ciente de que se trata de uma meta um tanto utópica, o engenheiro florestal explica que a solução baseada na natureza para a crise ecológica, decorrente do aquecimento do planeta e que parte do plantio de árvores, não é novidade.

Todos sabem que árvores são eficientes para retirar e estocar o carbono da atmosfera, a diferença, segundo ele, é que atualmente empresas de todo o mundo querem plantar árvores e, o melhor, em tudo que é canto do planeta.

Se antes da revolução industrial e da revolução verde que resolveram os problemas de abastecimento e de produção de alimentos, respectivamente, para a humanidade o planeta tinha 6 trilhões de árvores hoje temos menos que a metade desse estoque.

Recuperar as florestas, plantando e cuidando de qualquer espécie de árvore onde quer que seja possível no mundo todo, deveria, por isso, ser um dos objetivos da humanidade até 2030.

Plantar um trilhão de árvores e cuidar delas até ficarem adultas não só é possível como afastará a humanidade do colapso climático. Simples assim!!

Desde a década de 1990, quando grupos de empresas, trabalhadores e ambientalistas se uniram para fundar o Conselho Internacional de Manejo Florestal, FSC da sigla em inglês, a área de floresta certificada se amplia mundo afora (saiba mais: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=2473)

Certificar uma área de terra coberta por muitas árvores, em que a floresta pode ter sido cultivada por alguém ou regenerada de forma natural, significa depositar naquela área um selo verde. Isto é, uma garantia de que o produto que sai dali não acarretou danos para comprometer sua perpetuidade ou regeneração eterna.

No caso do FSC, com o selo sendo impresso por mais de 30 anos em uma série enorme e variada de produtos, o emblema de uma árvore estilizada com traços de que tudo está Ok naquela indústria alcançou significativa capilaridade.

Afinal, o selo verde do FSC está espalhado por quase todos os produtos que saem da indústria do papel e celulose. Também pode ser visto em parcela considerável da indústria da madeira e mobiliário.

A abrangência do FSC pode ser explicada por várias razões, mas sobretudo por ser exigido como porta de entrada para vários mercados, em especial na Europa.

Apesar de às vezes incompreendido quando, por exemplo, as pessoas se chocam com uso de papel ao supor que a produção requereu a derrubada de uma árvore, é provável que os plantios das árvores de eucaliptos que originam o papel com o selo do FSC, se transformem em novas árvores até mesmo antes do papel surgido da árvore anterior chegar em nossas mãos.

A importância do setor florestal para a economia mundial é expressiva com expectativa de crescimento por duas razões: as florestas são mecanismos eficientes para retirar carbono da atmosfera e podem fornecer um leque variado de produtos quando manejadas com tecnologia e ciência (saiba mais: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=2175).

Para se ter uma ideia, segundo a FAO, agência da ONU para florestas, em 2022 o setor florestal gerou 1,5 trilhão de dólares para a riqueza mundial e empregou 33 milhões de trabalhadores, o que demonstra uma força econômica expressiva.

Atualmente, o FSC contabiliza 8 milhões de hectares de florestas certificadas no Brasil. São aproximados 160 milhões de hectares, entre florestas plantadas e nativas, usando o selo FSC em todo planeta.

Segundo a organização há muito espaço para ampliação da área de floresta certificada e a meta é chegar a 300 milhões de hectares de florestas usando o selo verde do FSC ainda em 2026.

A certificação das florestas pelo FSC demonstrou, nos últimos 30 anos, que a aplicação da tecnologia de manejo florestal por comunidades e pelas indústrias fornece rendimentos e garante a perpetuidade da área de floresta sob manejo (saiba mais: http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=5196).

Hoje não há dúvida, a certificação das florestas pelo FSC é uma das principais soluções para o desmatamento zero da Amazônia. Simples assim!

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