Impressiona como o autor da obra Raízes do Brasil apresenta as características do país e dos brasileiros com tamanha exatidão. Em conjunto com Celso Furtado, Caio Prado Júnior e Gilberto Freire, o professor Sérgio Buarque de Holanda faz parte de um seleto e pequeno grupo de estudiosos que se aventuraram na complexa tarefa de desvendar, para os próprios brasileiros, os ingredientes de sua formação social e econômica, bem como a contribuição que os negros, portugueses e indígenas deram para constituir a sociedade brasileira.

Mas, é bem provável, que nenhum outro autor tenha dado tanta atenção à maneira predatória de como se realizava a produção agropecuária no país. O livro foi publicado em 1936 e discute a tecnologia de produção rural empregada desde o período da colonização até o final do século dezenove. A preocupação com a sustentabilidade agronômica e ecológica (apesar de na época ainda não existirem esses termos) da produção agropecuária praticada pelo camponês é recorrente.

Uma preocupação de se acentua no Capítulo 2, intitulado “Trabalho e Aventura”, sobretudo em suas notas explicativas. Para o autor, todos os camponeses, sem exceção, quer seja ele o próprio colonizador português, quer seja ele descendente de outros países da Europa (inclusive como o alemão que migrou para o sul do país e era tido como produtor exemplar), quer seja ele negro ou, até mesmo, das tribos indígenas nativas, fazem uso desregrado da pratica das queimadas para viabilizar sua produção agrícola e pecuária.

Reitera que o emprego descabido das queimadas demonstraria, com clareza, a total ausência de tradição agropecuária em nossa sociedade, tendo em vista que “Além de prejudicar a fertilidade do solo, as queimadas, destruindo facilmente grandes áreas de vegetação natural, trariam outras desvantagens, como a de retirar aos pássaros a possibilidade de construírem seus ninhos”. Sem pássaros não haveria predadores para as pragas e assim “… a broca invade as plantações de mate e penetra até a medula nos troncos e galhos, condenando os arbustos a morte certa. As próprias lagartas multiplicam-se consideravelmente com a diminuição das matas”.

A descrição acima destaca as duas piores conseqüências das queimadas, isto é, perda de fertilidade do solo e aumento da ocorrência de pragas (inclusive malária). Existem claro, muitas outras que em conjunto transformam as queimadas na mais primitiva e perdulária das práticas agrícolas.

A região descrita pelo autor não é a Amazônia. Nessa época o ecossistema florestal implacavelmente destruído foi a Mata Atlântica, hoje com apenas 4% de sua cobertura original. O que significa dizer que 96% das florestas litorâneas, que compõem esse ecossistema florestal foram destruídas.

No entanto é fácil perceber a semelhança entre o diagnóstico de Raízes do Brasil com o que ocorre hoje na Amazônia. E para deixar mais claro ainda, Sérgio Buarque de Holanda afirma que “A lavoura entre nós continuou a fazer-se nas florestas e à custa delas. Dos lavradores de São Paulo dizia, em 1766, d. Luis Antonio de Sousa, seu capitão-general, que iam “seguindo o mato virgem, de sorte que os Fregueses de Cutia, que dista desta Cidade sete léguas, são já hoje Fregueses de Sorocaba, que dista da dita Cutia vinte léguas”. E tudo porque, ao modo do gentio, só sabiam …

“Correr atrás do mato virgem, mudando e estabelecendo seu domicílio por onde o há”.

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