Além dos Estados, Distrito Federal e União, a Constituição de 1988 conferiu aos Municípios autonomia para o exercício de governo e administração próprios.

No regime constitucional brasileiro, portanto, a autonomia municipal decorre da própria Constituição Federal – que dispensou aos Municípios igualdade de condições em relação aos demais entes federados.

A bem da verdade, a Constituição fez um resgate da autonomia municipal, componente historicamente ligado à crônica brasileira e instituído já em 1890, logo após a proclamação da República, pelo Decreto nº 510, conhecido como “Constituição Provisória”.

Tendo obtido da Carta de 1988 um grau de autogoverno e um leque de competências e responsabilidades nunca antes alcançados, o Município passou à condição de participante ativo da estrutura federativa.

Todavia, e parafraseando Drummond, havia uma pedra no caminho dessa autonomia constitucional – a indefinição quanto à natureza das funções exercidas pelos procuradores municipais.

Agora, finalmente, a pedra foi removida.

Em sede de Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal aprovou tese de repercussão geral assentando a Carreira de Procurador Municipal como função essencial à Justiça.

As funções essenciais à Justiça são aquelas indispensáveis à administração da Justiça, ou, em outras palavras, as consideradas intrínsecas ao Estado Democrático de Direito.

Debater a diferença fundamental entre governo e Estado não é tarefa simples – ainda mais numa sociedade que culturalmente costuma debitar na conta do prefeito, do governador ou do presidente a responsabilidade por tudo o que lhe acontece, de bom ou de ruim.

Enquanto o governo é passageiro e sujeito às conveniências peculiares ao exercício rotineiro da política, o Estado é permanente e, exercendo o poder de legislar, tributar e fiscalizar, controla a vida de um povo dentro de um território nacional. Por sua vez, o Estado Democrático de Direito se pauta pela legitimação da ordem constitucional e pela garantia dos direitos fundamentais.

Ao atuar na defesa da municipalidade e do patrimônio público, o procurador é elemento determinante para a consumação das políticas púbicas afetas ao Município, não importando o governo que provisoriamente ocupe o poder na esfera municipal. Como integrante da advocacia pública, o procurador municipal atua em prol da coletividade e, em última análise, na tutela do interesse público.

Todas as capitais brasileiras e os grandes Municípios contam com Procuradorias estruturadas, e a organização da carreira de procurador se mostra como imprescindível ao cumprimento das atribuições constitucionais impostas ao ente municipal, sob a observância dos princípios que regem a Administração Pública, em especial legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.

Não à toa, no âmbito das organizações de controle como os Tribunais de Contas, observa-se uma tendência no sentido de reconhecer a obrigatoriedade da instituição de Procuradoria e de carreira própria da advocacia pública nos Municípios.

De tudo, uma certeza: considerando-se os mais de 5.500 Municípios existentes no país e diante de sua relevância no contexto administrativo e jurídico nacional, o reconhecimento de que o procurador municipal exerce função essencial à Justiça se traduz em passo decisivo para a democracia brasileira.

 

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