Existe um contingente elevado de técnicos que acreditam, de forma convicta, que a legalização de um mercado para a comercialização de carne de animais silvestres amazônicos aumentaria o risco de extinção das espécies. Essa crença carece de evidências e de fatos históricos que lhe deem legitimidade. Todavia, ela persiste e é predominante na esfera pública, como se fosse um dogma, contra o qual não haveria argumentos.

Muito embora haja fatos em quantidade suficiente para a defesa de que a saída está em se organizar um segmento econômico que pode, inclusive no curto prazo, adquirir importância substancial para as frágeis economias municipais, sobretudo no interior da Amazônia, infelizmente a ação pública prefere investir o dinheiro da sociedade na estruturação de um aparato de fiscalização que nunca consegue dar conta do recado.

Pior que isso, a política estatal, mesmo quando reconhece os limites da fiscalização levada a cabo pelos fiscais do serviço público, prefere persistir no erro, lançando mão de dois clássicos expedientes da gestão pública tupiniquim, comumente usados para lidar com problemas sem solução e que vão permanecer sem solução, embora os expedientes continuem valendo: envolvimento da sociedade e campanhas de sensibilização.

Confia-se que o povo irá ajudar os fiscais públicos no controle da venda ilegal de animais silvestres caçados ou capturados na floresta. Espera-se mais. Que as pessoas comuns, o cidadão, que já trava suas próprias batalhas, irá não só denunciar como espionar e monitorar os que desobedecem à legislação. E vai fazer isso impelido unicamente por um sentimento altruísta, para fazer o bem para o meio ambiente e para o planeta.

O passo seguinte é concluir que é preciso organizar essa vontade altruísta da sociedade numa entidade com personalidade jurídica, a fim de que, dessa forma, o recurso público seja transferido das mãos do Estado para as mãos do que se imagina ser a sociedade. É assim que surgem as organizações não governamentais, criadas para apoiar o Poder Público, para fazer algo que ele não consegue e não assume. Criadas, muitas vezes, pelo próprio Poder Público, claro.

No caso do tema em comento, dos animais silvestres, cite-se o exemplo da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, conhecida pela sigla Renctas, que foi constituída sob a tutela do Poder Público para auxiliar o Poder Público a realizar ações inerentes às funções de Estado, relacionadas ao exercício do Poder de Polícia. Mais paradoxal e contraditório, impossível.

Ainda falta, para completar o quadro, o ingrediente da sensibilização, uma vez que a sociedade altruísta somente praticará o altruísmo se for convencida por meio de uma campanha de sensibilização. Por sensibilização leia-se muita propaganda na mídia – que, por seu turno, acha tudo isso bastante conveniente.

Acredita-se que após a campanha de sensibilização – que, repita-se, se resume a muita propaganda e pouquíssima ação de fato – o sentimento altruísta da população irá aflorar, o efetivo de fiscalização irá aumentar e, simplesmente, o mercado ilegal de animais silvestres na Amazônia chegará ao fim.

Mas o mercado ilegal persiste, e sem uma política pública efetiva, que não seja baseada em mera fiscalização e altruísmo, não se evitará que em 2030, por exemplo, o abate desenfreado da fauna amazônica e o consequente risco de extinção de alguma espécie de animal silvestre continue acontecendo, da mesma forma que acontecia em 2000 e acontece em 205.

A despeito disso, contudo, a opção pela sensibilização, criação da Renctas e assim por diante, embora tenha se dado na década de 990, nunca foi revista. Fazer o quê?

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