Enquanto hotéis, restaurantes, cinemas e inúmeras outras atividades econômicas derretem por causa da pandemia (veja bem, por causa da pandemia, e não da quarentena), tudo indica que o agronegócio, que representa quase metade do PIB brasileiro, felizmente não está sendo afetado. 

Se por um lado a contribuição do forte agronegócio nacional representa um alento para reduzir a derrocada na economia, por outro, a pandemia trará uma situação sui generis para o monitoramento das queimadas na Amazônia.

Ocorre que a atividade agropecuária na região investe, sem cerimônia, na técnica rudimentar da queimada, na condição de um dos principais instrumentos para aumento da produção.

Não o agronegócio exportador de soja, mas a pecuária extensiva de gado, bem menos profissional e rentável, contribui significativamente com o volume de fumaça que todos os anos é lançado nos céus amazônicos durante a estação seca. 

Segundo indicam os levantamentos do Inpe, nos últimos 10 anos as economias mais frágeis, como é o caso do Acre, vêm apresentando preocupante tendência de elevação na quantidade de focos de queimadas.

Num cenário de redução drástica de orçamento público, supõe-se que faltará dinheiro para monitorar e controlar as queimadas. Ou seja, permanecendo ou não a tendência de alta, certamente o investimento em fiscalização será bem menor.

Embora se trate de problema com solução conhecida, as queimadas no Acre e na Amazônia continuam acontecendo ano após ano. E, o pior, o histórico estatístico de ocorrência dessa prática na região reforça o senso comum de que, na visão do produtor, é melhor se acomodar e deixar o fogo pegar.

Desde a década de 1970, a busca por uma alternativa para romper o nefasto ciclo do desmatamento-queimada-cultivo mobiliza, na Amazônia, os pesquisadores envolvidos, direta ou indiretamente, com o setor agropecuário.

Enquanto foi empregado para a ocupação do meio rural no Centro-Sul, havia certo consenso em torno da inevitabilidade dessa base tecnológica: primeiro, a queimada era aceita como prática “cultural e ancestral”; segundo, acreditava-se que as pequenas e médias propriedades não geravam recursos financeiros suficientes para investimento em alternativas, sobretudo aquelas alusivas à mecanização.

Ao ser confrontado com a realidade amazônica, todavia, esse ciclo deixou o mundo em alerta – e o país e os gestores públicos se viram pressionados pelos europeus a controlar os métodos nocivos da queimada e do desmatamento.

Esse controle, inclusive, é uma das principais metas nacionais incluídas no Acordo de Paris, pacto global celebrado por 195 países em 2015, na cidade que lhe empresta o nome, e destinado a conter os efeitos das mudanças climáticas.

Resumindo, alternativas para a superação do primitivismo tecnológico representado pela queimada tornaram-se prioridade e passaram a dispor de recursos públicos para a realização de pesquisas com vistas a encontrar saídas.

Mesmo antes, muitas possibilidades foram testadas com sucesso, e entre as voltadas para a realidade da pequena e média propriedade, os sistemas agroflorestais surgiram como referência ainda na década de 1990.

Ao consorciar espécies agrícolas de ciclo curto (macaxeira, arroz, feijão e milho, para consumo próprio e venda do excedente no mercado local) com espécies frutíferas de ciclo médio (cupuaçu e graviola) e também espécies florestais (mogno e cedro), o produtor consegue aumentar sua renda, de maneira permanente, ao longo do tempo.

Entretanto, a implantação e a manutenção de sistemas agroflorestais, que demandam uma rotina pesada de cuidados diários, exigem disciplina e planejamento, atributos nem sempre comuns nas pequenas propriedades da Amazônia.

O que se percebe é que, a despeito de terem sua viabilidade confirmada pela pesquisa, as alternativas para as queimadas, tais como o sistema agroflorestal, ainda encontram resistência por parte do produtor rural.

E essa resistência se justifica, na medida em que as exigências relacionadas a investimento financeiro e disponibilidade de trabalho para deixar de queimar requerem créditos e subsídios, contudo, o acesso ao crédito e a qualquer subsídio público na Amazônia envolve um conjunto de procedimentos complexos para o produtor – que termina por optar pela saída fácil e rápida, a queimada.

A fase de comprovação científica de viabilidade das alternativas tecnológicas para a queimada já se encontra superada. O que é necessário agora é uma política pública específica, contínua e permanente para integrá-las ao contexto rural do Acre.

Na Amazônia, porém, política pública, continuidade e permanência são palavras incomuns, e que dificilmente aparecem juntas, em especial no que respeita ao setor rural.

Em época de pandemia e crise econômica, os que gritam pela normalidade diante do risco de morte vão defender que queimar faz bem, gera emprego.  

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