No Carnaval de 2017 do Rio de Janeiro, a Portela sagrou-se campeã do desfile das escolas de samba decantando a mata ciliar.

Entoando o lindo verso “Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar”, os portelenses se propuseram a discutir a importância dos rios e a necessidade de conservá-los.

Associar temas atuais à arte carnavalesca é sempre uma aposta arriscada para as escolas de samba, exigindo grande dose de ousadia, além de inusitado fôlego. Por isso, os enredos convencionais se guiam por uma linha mais pitoresca e atemporal, focando em homenagens, mitologias, culturas exóticas e assim por diante.

Reside aí o mérito da Portela. Diferentemente de outros carnavais, em que o tema “água” foi abordado de forma mais genérica e abstrata, os portelenses se preocuparam não só em conferir especificidade ao enredo como também em atualizá-lo: mergulharam (com o perdão do trocadilho) na água doce dos rios e abordaram o preocupante processo de ocupação antrópica das margens e da mata ciliar.

Tudo isso retratado, cabe ressaltar, num cortejo de cerca de 40 alas, em que desfilaram mais de 4.000 pessoas. Uma empreitada nada singela, decerto.

A água se distingue de outros recursos naturais pela peculiaridade de não aumentar nem diminuir – a porção de água que existe no planeta, embora alternando de estado físico, permanece sempre a mesma.

É evidente que o volume presente nos oceanos, nos aquíferos do subsolo, no lençol freático, na atmosfera, nas geleiras dos polos etc., seja doce ou salgado, potável ou não, é crucial para manter o ciclo hidrológico e a quantidade permanente de água no globo.

Entretanto, aqui no Brasil, a crise hídrica que assolou o Sudeste, bem como a ocorrência de eventos extremos (secas e alagações) nos rios amazônicos, chamou a atenção para o gravíssimo problema da degradação que atinge os leitos e as margens dos cursos d’água.

Mais importante ainda, explicitou a profunda dependência que a população brasileira tem em relação aos rios, que suprem 100% do abastecimento urbano de água potável e mais de 70% da demanda nacional por energia elétrica.

No caso da Amazônia, a conservação da mata ciliar adquire significado ainda mais contundente. Primeiro, devido à extensão e capilaridade da imensa rede hidrográfica que corta a região, uma das maiores do planeta; segundo, diante da crescente ocupação da mata ciliar pela atividade da pecuária bovina, situação que atingiu níveis alarmantes.

Enquanto, por um lado, amplia-se progressivamente a relação de dependência entre a população e os recursos franqueados pelos rios (água potável e energia elétrica), por outro, acirram-se os efeitos do desmatamento na bacia hidrográfica, o que põe em risco o equilíbrio hidrológico dos cursos d’água. Não há dúvida, mesmo para quem não conhece a Amazônia, que se trata de uma equação perigosa – para dizer o mínimo.

Questão de tempo para o colapso hídrico.

Um tempo que parece ter encurtado com a aprovação do Código Florestal de 2012, que desconsiderou os dois lados dessa equação. Ou pior: ao que tudo indica, o Código Florestal potencializou o lado do desmatamento.

Iniciativas como a da Portela, a despeito de não alterarem a equação do colapso hídrico, são mais que bem vindas, pois reforçam o alerta.

Congratulações aos portelenses. Estão de parabéns!

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