Em países em desenvolvimento, o argumento da fome tem justificado uma série de absurdos e agressões à sustentabilidade do planeta.

Raciocínio idêntico pode ser feito para o caso de economias frágeis, existentes em alguns estados brasileiros. Nos casos específicos da Amazônia e do Acre, por exemplo, a fome justifica o desmatamento e a queimada, que, paradoxalmente, irão, no médio prazo, causar fome devido ao esgotamento provocado no solo usado para os plantios.

As estatísticas demonstram que, salvo raríssimas exceções, não existe fome nas áreas rurais acreanas. Sendo assim, o que motiva o poder público a manter a incompreensível liberação automática de três hectares anuais de desmatamento nas pequenas propriedades?

Para se ter uma idéia acerca das conseqüências nefastas dessa medida, são exatamente esses três hectares desmatados automaticamente (e, anualmente), que, ao serem multiplicados pela imensa quantidade de pequenas propriedades na Amazônia, adquirem importância crucial para o mercado madeireiro, abastecendo mais que 90% (outra cifra a ser medida) da demanda das indústrias por madeira legalizada.

É essa grandiosa área oriunda da soma dos milhares de três hectares que não permite que o manejo florestal se consolide. Essa oferta periódica e permanente de madeira legalizada e de fácil acesso atrai o empresário, desestimulando-o a praticar o confuso e caro manejo florestal.

Incrível se imaginar como uma medida administrativa – pois trata-se de iniciativa do Ministério do Meio Ambiente – possa ter resistido por tanto tempo. Num sistema de regras frágeis como o que se observa na Amazônia, onde as leis são modificadas sem muita cerimônia pelos parlamentares, como explicar a existência por quase 10 anos de um ato administrativo com tamanhas conseqüências danosas para a região e para o mundo?

Voltando ao argumento da fome, impressiona o fato – não comprovado pelas estatísticas, diga-se – de que os três hectares não são efetivamente usados para o plantio. Por sinal, o Ministério Público deveria cobrar tal informação dos órgãos de licenciamento. A pergunta a ser feita seria: Que área, do que é licenciado no âmbito dos três hectares da fome, é efetivamente plantado para matar a fome do pobre produtor?

A resposta, que todos temem e cujo enfrentamento parece não interessar a ninguém, pode desmascarar a principal justificativa para a liberação dos três hectares. O produtor rural na Amazônia, tanto aquele assentado pelo Incra quanto o que vive em áreas florestais, como as Reservas Extrativistas, não tem condições para ampliar, a cada ano, seu plantio em três hectares.

Por outro lado, mesmo havendo uma parcela desses produtores com condições para incremento anual de três hectares na sua produção agropecuária, essa parcela não estaria, obviamente, passando fome.

Resumindo, ou o produtor não possui capital (humano e financeiro) para conseguir ampliar anualmente o seu plantio, ou, ao contrário, pode ampliar, e nesse caso trata-se de microempresário rural, estando, portanto, excluído da condição de esfomeado.

Um punhado de hectares, um simples detalhe normativo, um pequeno descuido e a floresta colocada sob um enorme risco.

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