O envolvimento da sociedade civil com o manejo florestal, ocorrido de maneira mais expressiva durante a década de 1990, pode ser considerado decisivo tanto na demonstração de que a alternativa florestal era possível em nível comunitário, quanto para a introdução dessa nova alternativa produtiva, nos mecanismos oficiais de concepção e elaboração de políticas públicas.

Identificar as razões que levaram as comunidades e suas entidades de representação a se envolverem na execução de experiências produtivas inovadoras e, na maioria dos casos, de elevado risco econômico, é uma lacuna que ainda persiste e que deveria mover os estudiosos da academia.

A título de provocação, alguns fatores são elencados a seguir para auxiliar na compreensão dessa importante contribuição popular.

Quatro fatores são fundamentais nessa análise: a) o grau de impacto social, produzido pelo padrão de ocupação vigente, recebido diretamente pelas comunidades, sobretudo as florestais; b) a democratização do país e o conseqüente processo de organização da sociedade civil na Amazônia; c) a oferta de recurso financeiro a fundo perdido para apoio às comunidades; e, d) a disposição dos produtores para correrem riscos no campo econômico.

Parece evidente que os maiores reflexos do processo de ocupação social e econômico da região, diversas vezes comentados, recaiu com maior impacto sobre as áreas ocupadas pelas populações rurais e florestais. A aquisição de elevadas extensões de terras pelos chamados sulistas – sobretudo os “paulistas” -, intensificado no período pós 1964, trouxe especulação imobiliária que excluiu o pequeno produtor, cujo destino fora entregue aos assentamentos oficiais da colonização e reforma agrária.

Os extrativistas, por sua vez, foram expulsos ou alijados de seus direitos elementares para que forçosamente abandonassem suas colocações. Aqueles que conseguiam manter-se se viam rodeados e pressionados por grandes áreas desmatadas para instalação da pecuária extensiva.

Por fim, o produtor rural e extrativista amazônida tornara-se um dos maiores empecilhos ao processo de ocupação e como tal precisava ser superado. Com condição econômica debilitada, pelos baixos preços da borracha e da castanha, convivendo com total abandono das ações públicas, em especial de educação e saúde e, ainda, sofrendo as conseqüências ambientais dos desmatamentos, principalmente aquelas relacionadas com as secas dos igarapés (falta de água e de peixes) e a redução dos animais silvestres (falta de alimentos obtidos pela caça), essas comunidades precisavam encontrar alguma alternativa.

Mas o país sentia o esgotamento do cerceamento de liberdade democrática. Desde o final da década de 1970, quando do assassinato do líder sindical Wilson Pinheiro em Brasiléia no Acre, a reação dos extrativistas demonstrava ser algo determinado e permanente.

A organização, tanto política quanto para a produção, desses trabalhadores rurais e florestais culminou com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) em 1985 e o surgimento de uma quantidade significativa de associações, caixa agrícola, sindicatos rurais, cooperativas, centrais de produção e assim por diante. A organização se intensificava e se institucionalizava.

Essa institucionalização conseguiu reunir alguns aliados importantes. Organizações da sociedade civil, ou do terceiro setor, vinculadas à Igreja Católica, à cooperação internacional e até mesmo de maneira autônoma, uniram-se para apoiar as organizações dos trabalhadores para instrumentalizá-los e auxiliá-los na complicada e burocrática relação com o Estado e com o universo da execução de projetos.

Evidente que essa intensa organização social foi presenciada em todo país. Mas no que se refere à Amazônia, dada suas características de fronteira de expansão da ocupação agropecuária e à maneira agressiva pela qual essa ocupação de processou, o conflito na área rural foi uma constante.

A oferta inicial de recurso financeiro a fundo perdido, voltados a apoiar a organização comunitária e a sanar os graves problemas de educação e saúde, demonstrou ser pequena frente ao crescimento exponencial da demanda. Acessar recursos por meio de projetos transformou-se em condição essencial para atuação daquelas entidades.

Evidente que devido sua característica de inovação tecnológica e de superação de todo tipo de impedimentos normativos, mercadológicos, culturais e institucionais, as atividade de manejo do ecossistema florestal, requerem certa dose de disposição dos produtores para correr riscos.

Ocorre que atividades produtivas, no geral e por diversas razões, são excludentes entre si. Isto é, o produtor não teria condições de se envolver com a alternativa produtiva do manejo florestal comunitário ao mesmo tempo em que se ocuparia de seu roçado tradicional. O risco estava configurado na incerteza do manejo comunitário lhe fornecer os mesmos níveis de renda antes obtidos.

Mas o contato permanente do extrativista com o recurso florestal fez com que compreendesse seu potencial. A tradição com o manejo florestal de apenas duas espécies vegetais, a borracha e a castanha, demonstrava que o ecossistema florestal era capaz de fornecer riqueza como já havia fornecido anteriormente. Era mais fácil para o produtor que direta ou indiretamente havia praticado o extrativismo acreditar no potencial da atividade florestal, mesmo com todos os riscos a ela associados.

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