Depois de quase apartarem, pondo em risco o abastecimento de água nas áreas urbanas, os rios amazônicos – ante a chegada do inverno e das chuvas – finalmente recuperaram sua vitalidade.

As cheias são sinônimo de fartura. Além de melhorar em muito a paisagem, um rio cheio estimula a dinâmica econômica. O período de cheia devia ser, por isso, recebido com festas, muita alegria e a certeza de que o futuro, para o rio e para as pessoas, será sempre melhor. Mas, infelizmente, não é o que acontece.

Se até alguns meses atrás, a vazão (ou a quantidade de água existente no leito do rio) preocupava a todos pelo risco do racionamento de água – algo que deveria ser impensável numa região como a Amazônia -, agora a vazão inquieta diante do risco de alagamento. Vale dizer, a preocupação, agora, é que ocorra uma alagação como as que antigamente ocorriam a cada década, e que têm sido cada vez mais frequentes.

No entanto, há um ponto fundamental que deve ser esclarecido – a fim de que se compreenda esse comportamento considerado instável do rio. Trata-se da distinção entre cheia e alagação. Um evento de ocorrência anual, e outro de ocorrência esporádica, respectivamente.

Enquanto a cheia significa fartura, e deveria ser recebida com regozijo, a alagação pode representar tragédia para as famílias atingidas. Ou seja, as cheias não deveriam desabrigar ninguém, e se isso acontece – como se tornou comum em toda a região amazônica -, significa que foram cometidos graves erros de planejamento urbano.

Não seria complicado, para as administrações municipais, diante das inovações tecnológicas atuais, sobretudo no campo do sensoriamento remoto e da fotografia por satélite, a realização do mapeamento das áreas de cheia e de alagação. Claro que nas áreas incluídas no circuito da cheia não poderia haver ocupação – e é aí que a incapacidade pública surge.

Parece, sendo redundante, uma epidemia generalizada – mas nenhuma prefeitura dos municípios amazônicos consegue retirar as famílias dos barrancos dos rios. É incrível, mas as famílias preferem viver em habitações e ambiente precários na beira do rio, do que se mudar para regiões de terra firme, urbanizadas, todavia distantes do centro.

Basta que apareça na televisão uma família reclamando que está sendo expulsa de sua residência (se é que se pode chamar assim), no barranco do rio – em face de uma ação publica de transferência para a periferia -, que o desânimo se instala na administração municipal. Os prefeitos pensam logo no inusitado: na perda de votos.

Assim, é preferível oferecerem-se auxílios, como alimentação, instalações, saque do FGTS; predomina o pensamento de que, sendo-se sensível à calamidade, mais votos são angariados. Mesmo que a cheia dure 3 meses, o que costuma acontecer. Ajudar desabrigados parece bom negócio para os dois lados, menos para a sociedade que paga.

Já a alagação – que acontecia a intervalos superiores a 20 anos, passou para ciclos de 10 anos e, mais recentemente, parece ter se tornado ocorrência anual – é resultado de uma série de eventos climáticos, causados tanto pelo desmatamento na Amazônia, quanto pela fumaça expelida por uma indústria situada nos Estados Unidos.

Contudo, é fato que as características locais da ocupação nas margens do rio podem ampliar sobremaneira o risco de ocorrência das alagações. Não há dúvida, muito embora nunca se leve a efeito essa discussão, que a ocupação social e produtiva na beira do rio pode significar maior propensão à alagação.

Por outro lado, também é fato científico que a quantidade e a qualidade da mata ciliar existente na orla do rio tem influência direta na quantidade e qualidade da água que flui no leito do recurso hídrico.

Mas, brindemos à cheia e não culpemos o rio. Afinal, se é para apontar culpados, que sejam os administradores, que não sabem planejar a ocupação urbana.

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