A paleontologia, ou a ecopaleontologia, ou, ainda, a paleoecologia, vem se dedicando ao estudo da diversidade biológica existente nas Américas, desde o período do pleistoceno. Todavia, quando se trata de uma região como a Amazônia, um estudo como esse ganha contornos curiosos.

A idéia é simples. Espera-se que a partir da identificação e da análise dos hábitos alimentares e de comportamento – o que os ecólogos chamariam de nicho ecológico -, e de outros estudos sobre a fauna existente há mais de 20 mil anos na Amazônia, será possível saber que tipo de vegetação era predominante em tal período. Daí, para a caracterização do clima e outras variáveis ambientais, seria um passo curto.

O raciocínio, em principio lógico, pode redundar em interpretações perigosas. se suplantado para o tempo contemporâneo. A conclusão acerca da existência de um grande lago amazônico naquele período, que passaria pelas intempéries duma exposição contínua a baixas temperaturas, não pode, por exemplo, subsidiar discussão hodierna a respeito da exploração dos rios amazônicos, quer seja para geração de energia elétrica, para uso em irrigação, ou para abastecimento das áreas urbanas.

Da mesma forma, essas conclusões oriundas de estudos paleontológicos não podem embasar decisões relativas à exploração florestal na região. Ocorre que esses estudos originaram a denominada Teoria dos Refúgios Florestais, segundo a qual, ilhas de florestas teriam formado porções, ou fragmentos, de formação florestal, em meio a uma imensa área de vegetação de pastoreio existente.

Ou seja, a Amazônia teria sido coberta totalmente por savanas (como as savanas africanas), com a ocorrência de pequenos fragmentos de florestas, ou refúgios, como afirma a teoria. E essas áreas teriam sido habitadas por fauna que possuía hábitos alimentares mais sofisticados que os oferecidos pela savana. E, finalmente, esses pedaços de florestas em meio a desertos savanizados, teriam sido os responsáveis pela elevada diversidade biológica existente atualmente na Amazônia.

O problema é que essa teoria chegou a ser cogitada como uma das referências para se definir a segregação de áreas na Amazônia, sujeitas a usos especiais, ou, simplesmente, ao não uso, na forma de Unidades de Conservação. Vale dizer, a conclusão de que, há 20 mil anos, havia um refúgio florestal em determinada área, justificaria a necessidade de proteção dessa área, atualmente. Em outras palavras: existiria algo, naquele tempo, que deveria ser, hoje, protegido.

Trata-se, é certo, de raciocínio complexo. Não se duvide, porém, que move o imaginário coletivo, influenciando os tomadores de decisões.

A deliberação sobre a criação duma Reserva Extrativista deve levar em conta a existência de extrativistas no presente, e não há 20 mil anos. Igualmente, a criação duma Estação Ecológica diz respeito à necessidade imediata de proteção, por exemplo, da nascente dum rio, não sendo relevante se havia ou não rio ali no passado remoto. A demanda ambiental atual visa a garantia do futuro, e não o regate de situação existente num passado longínquo, sobre a qual pesa, ademais, elevado grau de incerteza quanto à sua ocorrência.

Ante as condições ambientais atuais, o planejamento do futuro deve vislumbrar a sustentabilidade imediata da Amazônia, para as gerações que habitarão o planeta daqui a 20 anos. Se conseguirmos, pelo menos, a garantia desse futuro próximo, talvez haja condições de ir além.

Por hora, todavia, não se pode garantir futuro algum.

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