Em 2003, o que poderia ser chamado de um novo discurso na área ambiental introduzia uma prioridade para política ambiental nacional: a transversalidade. De maneira insistente e permanente, argumentava-se que devido às características multidisciplinares que os temas na área ambiental possuem, esses temas deveriam ser internalizados por outros setores do governo de forma programática e não serem, somente, tratados isoladamente pelo Ministério do Meio do Ambiente.

Todavia, a experiência mostrou que essa prioridade estava equivocada. O que pior mostrou é que, as suas implicações, no cotidiano, trouxeram prejuízos significativos para o fortalecimento operacional e político da gestão ambiental em nível nacional.

Para se ter uma idéia desses prejuízos, foi o princípio da transversalidade que justificou, por exemplo, que a Coordenação do Plano Amazônia Sustentável (PAS) não ficasse sob a jurisdição do Ministério do Meio Ambiente. Em seu primeiro lançamento, em uma colocação de seringueiro no Projeto de Assentamento Cachoeira, localizado no Acre, o presidente Lula, vários governadores e ministros assistiram a entrega dessa coordenação ao então ministro Ciro Gomes, da pasta da Integração e Política Regional.

Nos pronunciamentos feitos à época, a transversalidade exigia que a coordenação desse importante plano – por sinal, naquele momento não parecia tão importante assim – ficasse na área do executivo federal responsável pela definição de políticas públicas regionais de curto, médio e longo prazos. Uma vez que a política nacional de desenvolvimento da Amazônia estava em processo de gestação, o PAS poderia ser assimilado na concepção dessa política.

Inovações importantes para a Amazônia continham essa primeira versão do PAS. Apesar de não ter saído do papel e, desgraçadamente, sumido da segunda versão, a de 2008, o reconhecimento da vocação florestal da região era, sem dúvida, o ponto central do documento. Sugeria-se, inclusive, a criação do que se chamou CIDE Ambiental, uma contribuição para intervenção no domínio econômico, tal qual a que existe para os combustíveis. Essa contribuição seria a fonte principal de recursos para investimentos na conservação florestal na Amazônia.

A área ambiental, apesar de uma participação tímida, foi sempre citada no documento, mas não tinha a rédea do processo. Acreditava-se que a transversalidade estava chegando até o poderoso Ministério da Integração. Ledo engano.

Como na segunda versão do PAS já havia um setor do executivo para assuntos de longo prazo, isto é, alguém com status de ministro para cuidar dos assuntos do futuro, a coordenação do PAS passou para a pasta dos assuntos estratégicos. Mais uma vez, sob o acordo irrestrito do Ministério do Meio Ambiente e sob o argumento do fortalecimento da transversalidade, a coordenação do PAS foi parar em outras mãos.

Essa segunda versão deixou de fora pontos importantes da primeira versão (de qualquer forma não parece ser coisa para sair do papel mesmo), mas trouxe uma novidade igualmente importante.

A segunda versão do PAS diferencia área já desmatada da que ainda possui floresta, reconhece o efeito nefasto de uma atividade produtiva específica, no caso a criação de gado, aceita a taxação publica até o limite da inviabilidade dessa atividade e, o melhor de tudo, faz referência explícita ao Manejo Florestal de Uso Múltiplo, como opção tecnológica adequada à conservação dessa floresta.

Mas a transversalidade ainda traria prejuízos até maiores. Foi ela que também justificou a extinção de fato, não de direito, do setor mais importante para a Amazônia dentro do organograma do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Uma vez que tudo precisava ser transversal, não haveria razões para a existência de uma Secretaria de Coordenação dos Assuntos da Amazônia vinculada diretamente ao gabinete do Ministro.

Não se prestou atenção, por exemplo, ao fato de que essa Secretaria da Amazônia era a principal fonte de apoio, financeiro e de recursos humanos, existente no MMA para levar alternativas ao desmatamento na Amazônia.

Desmatamentos cujas taxas permanentes são mesmo de fazer jogar a toalha.

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