Para que o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, ICMBio, instituísse um programa de trabalho denominado de RESEX Legal, algo de ilegalidade estava ocorrendo nas Reservas Extrativistas, ou Resex, da Amazônia.

A ilegalidade virou notícia com a retirada de quase mil cabeças de gado de dentro da Resex. Uma operação que autuou dezenas de ex-seringueiros que, na falta do que produzir, se transformaram em pecuaristas, nos moldes dos mesmos pecuaristas por eles combatidos na década de 1980.

Muitos políticos, lideranças comunitárias, Ongs e, pasmem, até o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapurí, que carrega a fama de ter sido presidido pelo próprio Chico Mendes, se posicionaram na defesa dos ex-seringueiros, e agora pecuaristas.

De outro lado não apareceu uma alma, para apoiar a retirada dos pecuaristas da Resex e fazer valer o que esta escrito na Lei.

Nada poderia ser mais inusitado. Primeiro os extrativistas que reivindicaram a criação da Resex, se comprometendo a zelar por ela com regras rígidas para evitar desmatamentos, adquiriram a confiança da sociedade que, por sua vez, aceitou comprar essas terras dos seus proprietários e entregar à guarda dos extrativistas.

Depois, esses mesmos extrativistas, talvez arrependidos, quebram o contrato de se manterem extrativistas e tornam-se pecuaristas. Fosse esse um contrato comercial comum bastaria aos que o quebraram devolver o dinheiro, que eles talvez não tenham, para a sociedade. Mas como esse contrato é firmado por Lei, a quebra não é permitida.

Parece que os extrativistas arrependidos que viraram pecuaristas não acreditavam que a Lei, um dia, iria ser cobrada. Devem achar que a justificativa da fome e da falta de alternativas seriam suficientes, para convencer os eternos apoiadores de plantão. Afinal, foram esses os argumentos que sustentaram a reivindicação pela criação da Resex, em 1990. Se deu certo uma vez daria novamente.

A letargia da ação pública corroborou esse sentimento. Pois o alerta sobre a agropecuarização da Resex e os riscos disso para sustentabilidade foi feito, ainda em 1993, somente três anos após sua criação.

O Centro dos Trabalhadores da Amazônia, CTA, diversas e reiteradas vezes demonstrou que a área de pasto se ampliava apesar do acordo firmado no Plano de Utilização da Resex. Um documento discutido e negociado com todos os moradores.

O CTA alertou também para a equivocada alegação da ausência de alternativa produtiva e, por isso, contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento, junto com a Embrapa e a Funtac, da tecnologia do Manejo Florestal de Uso Múltiplo.

Essas instituições se expuseram à ira de todos, ao incluírem a produção de madeira no uso múltiplo da floresta. Os técnicos abnegados que acreditavam nessa possibilidade pagam, até hoje, um preço alto pela sua ousadia: transformar seringueiros em manejadores florestais.

E quase 20 anos depois de criada a Resex Chico Mendes, um símbolo para a sustentabilidade da Amazônia, se vê diante do dilema de permitir ou não a ampliação do desmatamento para criação de gado.

Por um punhado de hectares uma filosofia de ocupação produtiva da Amazônia está em risco. Longe das elucubrações socioambientais e da, inútil, transversalidade, o que está em jogo é um projeto de sustentabilidade da Amazônia. E, o pior, talvez o único projeto.

Entre a transformação de ex-seringueiros em pecuaristas ou manejadores florestais, o mercado ficou com o primeiro. Já o Estado, e a sociedade que o faz andar, precisam se concentrar no segundo.

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