Entre as muitas excrescências do nosso processo eleitoral, e olha que não são poucas, a possibilidade de um detentor de mandato concorrer a outro cargo, em meados do mandato para o qual foi originalmente eleito, é das mais inaceitáveis.

A reforma política possível, sancionada em 7 de outubro último, limitou-se a pôr fim às coligações partidárias (no caso das eleições parlamentares) e a instituir cláusula de barreira para acesso ao horário eleitoral e ao Fundo Partidário – não tendo chegado, desse modo, a enfrentar outras controvérsias necessárias e urgentes.

Não fosse a recalcitrante resistência dos partidos que se dizem de esquerda, sempre contrários a qualquer mudança (pouco importando se têm ou não relevância para o país), provavelmente teria sido possível ampliar o escopo do debate, incluindo-se questões como a imposição de obrigatoriedade para o cumprimento de mandatos até o final.

Desnecessário reforçar que o voto, além de sagrado, ou justamente por isso, é a base da democracia representativa. Significa que, quando um número expressivo de eleitores deposita sua confiança num determinado candidato, a contrapartida do candidato depois de eleito é honrar o mandato que lhe foi confiado.

Exemplos de falta de compromisso com o voto pululam, sem que a imprensa – sempre muito despreparada e pouco ideológica, diga-se – logre entender que, ao abandonar a representatividade fornecida pelo eleitor em meados do mandato, o político comete estelionato eleitoral. Algo inadmissível.

Ao contrário. A maioria parece tratar o voto sob um desprendimento desconcertante e perigoso. Senão, veja-se.

Quando o atual prefeito de São Paulo venceu as eleições de maneira extraordinária, no primeiro turno, e defendendo uma agenda ancorada em privatizações, a mídia ficou deslumbrada: o salvador da pátria chegara.

As primeiras manchetes nos dias que se seguiram à apuração da eleição paulistana, antes que o prefeito tivesse trabalhado um único dia para responder à confiança que o eleitor lhe depositara, já aventavam a hipótese de sua renúncia em 2018.

Pelo que então se via, a imprensa, e o próprio prefeito, claro, acreditavam que ele conseguiria se eleger presidente do país.

Da mesma forma que, agora, muitos prefeitos acreditam que podem chegar ao governo de seus respectivos estados – e, por isso, sem nenhuma cerimônia, pretendem renunciar no primeiro semestre de 2018, depois de meros 15 meses no exercício de um mandato que deveria durar 48.

Não escapa que, embora legalizada, a renúncia nesses casos é imoral. Situação ainda pior é a dos vereadores e senadores candidatos, que nem precisam renunciar.

Ninguém vota num candidato esperando que ele abandone o cargo, tendo transcorrido apenas um terço do prazo estabelecido. A renúncia do eleito decerto quebra a relação de confiança que deve existir entre candidato e eleitor.

Todavia, respeito e confiança, ao que tudo indica, não fazem parte do laço que vincula, ou deveria vincular, o mandatário ao seu constituinte.

Hipocrisias à parte, pergunta-se: quem é que vota num candidato a prefeito porque tem admiração pelo vice?

Download .DOC

xxxx