O conceito de uso múltiplo da floresta possui origem recente. Até a segunda metade da década de oitenta, a idéia de uso múltiplo se restringia às diversas possibilidades de beneficiamento da madeira de determinada espécie. Móveis, serrados, compensados, lâminas, carvão, pequenos objetos etc eram os produtos que os múltiplos usos da madeira permitiam.

A Engenharia Florestal naquele momento não conseguia “ver a floresta que havia além das árvores” – provérbio inglês comumente usado em macroeconomia. A versão contemporânea do conceito de uso múltiplo da floresta parece ter sido melhor formulada no Acre, onde a existência de uma parcela significativa da população, vivendo no interior da floresta, de certa maneira fez com que a potencialização da geração de renda da floresta se tornasse uma questão de sobrevivência.

É possível, inclusive, determinar horizontes temporais distintos, nos quais se identifica com nitidez uma constante tentativa de superação dos diversos entraves à competitividade da floresta.

Até 1987, a extração de borracha e castanha, apesar de praticada da mesma forma há mais de um século e já não contar com apoio público por pelo menos 30 anos, ainda era a base da economia acreana.

Os dois produtos, juntos, eram responsáveis pela maior parte da arrecadação de ICMS. A sua exploração era considerada uma atividade adequada do ponto de vista ambiental, pois não causava danos à floresta, ao contrário do que se pensava da extração de madeira. Nesse contexto, ambientalistas e seringueiros uniram-se e conseguiram garantir a criação, até aquele momento, de quase dois milhões de hectares de reservas extrativistas.

No final da década de 1980, o desafio tecnológico era a industrialização da castanha para exportação e a diversificação da matéria-prima de borracha oferecida pelo seringueiro às usinas. Foram Investidos recursos consideráveis no desenvolvimento de tecnologias e na capacitação de seringueiros para a produção de placa bruta defumada, de tecido encauchado e para o uso de ácido pirolenhoso para defumação a frio, entre outros.

No entanto, no final das contas, a borracha praticamente deixou de ser um produto e quase sumiu das estatísticas de produção amazônica, experimentando, atualmente, talvez, um breve suspiro com providenciais subsídios instituídos pelos governos federal e estadual. As alternativas tecnológicas para produtos da borracha, além de complicarem, na maioria das vezes, mais ainda a vida dos seringueiros, não resolveram a questão mais importante da produção nativa, que é o aumento de sua competitividade. O inimigo não é mais a produção da Malásia, que tanto fez fortalecer os brios nacionalistas, mas sim a dos compatriotas paulistas que, desde 1993, vêm batendo o próprio recorde de produção.

A castanha, por sua vez, não deslanchou por problemas que vão desde mera fragilidade gerencial até questões complexas como a inelasticidade do preço internacional. A falência da base produtiva amparada no binômio borracha/castanha forçou a busca por outros produtos florestais.

Já no início da década de 1990 começou-se a perceber a floresta de forma holística, ou seja, como um todo, com seus inúmeros ecossistemas, capazes de produzir um leque variado de produtos. Chamou-se, então, de Manejo Florestal de Uso Múltiplo essa atividade-fim da Engenharia Florestal amazônica, que passou a ser referência em projetos e trabalhos científicos como alternativa para viabilização econômica da floresta. Manejando-se adequadamente a floresta seria possível explorá-la sem comprometer a sua diversidade biológica, hoje e no futuro.

No Acre, em face da peculiaridade demográfica do estado, onde uma elevada parcela da população habita os ecossistemas florestais, imaginou-se, de forma correta, que a sustentabilidade ambiental e social do uso múltiplo só seria alcançada se essas comunidades dominassem a técnica e gerissem sua operacionalização. Para que isso ocorresse, os produtos denominados não-madeireiros funcionariam como atrativos especiais para o seringueiro. Primeiro, porque a exploração desses produtos já fazia parte da tradição extrativista. Segundo, devido a seus baixos custos de exploração e, terceiro, diante do mínimo ou quase nenhum impacto ambiental causado.

Depois que ocorresse uma a diversificação na base produtiva mediante a exploração desses produtos, os agora manejadores florestais estariam aptos a realizar o manejo da madeira, que envolve formas de gestão comunitária bem mais complexas. Nesse momento, o manejo florestal de uso múltiplo e gestão comunitária realizar-se-ia de maneira plena.

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