Os que se dedicam ao estudo da dinâmica do desmatamento estão ao mesmo tempo chocados e apreensivos. O aumento de 29% na área desmatada na Amazônia em 2016 (em relação ao ano anterior) surpreende, na medida em que ocorre com a economia em recessão – uma das mais graves na história do país –, e no contexto de uma crise política sem precedentes.

Considerando-se que em tempos difíceis como o atual o medo de rupturas deprime a motivação para investimentos e leva o empreendedor a guardar seu dinheiro nem que seja embaixo do colchão, como encontrar razões que expliquem o aumento em quase um terço na destruição da floresta?

Ocorre que, embora poucos se deem conta, no caso da realidade amazônica investir significa desmatar. E a curva do desmatamento, esteada em medições realizadas desde 1988, comprova essa assertiva com certa facilidade.

Em períodos nos quais a economia se aquece, por mais irrisório que seja esse aquecimento, a curva se acentua. A surpresa é que, desta vez, desmatou-se intensamente, a despeito do alto grau de desinvestimento observado no país. Daí o motivo de apreensão.

De outra banda, como 2016 é o segundo ano consecutivo de alta, é possível que se trate de uma tendência: pode estar por vir um novo pico de desmatamento em âmbito regional, no patamar das taxas recordes medidas em 1995 e 2004.

Essa elevação é inaceitável depois que o Brasil aderiu ao Acordo de Paris (que, aliás, já foi convalidado por lei), tendo se comprometido a zerar o desmatamento ilegal nos próximos anos. Não à toa, os gestores ambientais se apressaram em assegurar que a fiscalização será intensificada em 2017.

Não é preciso dizer que a fiscalização é uma atividade atrelada à corrupção e que apresenta relação custo/benefício desfavorável para a sociedade.

Mas, para além disso, se por um lado a fiscalização tem efeito limitado em relação ao desmatamento ilegal, por outro, não tem nenhum efeito sobre o desmatamento legalizado; ou seja, não se presta a conter a destruição da floresta que é efetivada sob o amparo da lei.

Costuma-se acreditar, de maneira errônea, que a taxa anual de desmatamento se reporta exclusivamente ao corte raso da floresta praticado às escondidas e à margem da legislação – na calada da noite, como prefere a imprensa desinformada.

Na verdade, o desmatamento legalizado também compõe a taxa, sendo que não é fácil saber qual a participação de um e de outro – do legal e do ilegal. Por sinal, a dificuldade para se calcular a participação do desmatamento legal foi significativamente ampliada depois da aprovação do Código Florestal de 2012.

Em primeiro lugar, devido à anistia conferida aos desmatadores que se encontravam em situação ilegal pelas regras do Código de 1965. Esses produtores haviam excedido o limite de área passível de desmatamento, todavia, ao invés de ser penalizados, foram legitimados e passaram para a legalidade, juntamente com uma grande extensão de terra irregularmente desmatada.

Em segundo lugar, devido à redução da largura mínima obrigatória para as APPs (Área de Preservação Permanente). Essa redução, em última análise, significou a ampliação da área de floresta disponível para a realização do desmatamento legalizado.

Aferir a contribuição do desmatamento ilegal e do desmatamento legalizado na composição da taxa atual é uma das medidas cruciais para resolver o problema de maneira permanente – diferentemente das débeis e duvidosas ações de fiscalização.

Essa aferição, por sua vez, possibilitará que se determine até que ponto a lei que ratificou o Acordo de Paris é sabotada pela legislação vigente: ainda tá em tempo de se alterar o Código Florestal.

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