Em fevereiro de 1988 uma área com 41.000 hectares no Vale do Rio Acre foi transformada na primeira unidade de Reserva Extrativista da Amazônia, denominada de São Luís do Remanso. Após dezoito anos, foram conquistados mais de 10 milhões de hectares de reservas semelhantes na Amazônia, sendo quase três milhões somente no Acre.

Sem dúvida, a regularização fundiária na Amazônia de áreas originalmente habitadas por populações tradicionais foi um grande e sensível avanço na legislação agrária e ambiental do país. As Reservas Extrativistas são um modelo de reforma agrária adequada à realidade da região e que vem sendo reproduzido em outras regiões do país e em outros países.

No entanto, a discussão inicial sobre sustentabilidade destas unidades está longe de se esgotar. Apesar do esforço institucional realizado no sentido de priorizar a implementação de ações de caráter social, que possibilitasse alteração nas condições de vida das populações, que há mais de um século se reproduzem sob a floresta, a situação destas unidades ainda é motivo de preocupação.

O investimento financeiro foi tímido frente a enorme demanda de uma realidade social até então isolada, abandonada e esquecida pelas ações do Estado.

E, mais tímido ainda, no que concerne à geração de informações para orientar o estabelecimento de modelos de uso adequado dos recursos florestais por estas comunidades, a situação é ainda pior.

O volume de recursos financeiros, quer seja na forma de incentivos e fomento, quer seja na forma de pesquisas, destinados à busca da viabilização de atividades nocivas ao homem e ao meio ambiente amazônico, como, por exemplo, a pecuária, é de tal ordem de grandeza que seria até irônico uma tentativa de comparação. Na verdade, investiu-se e continua-se investindo muito mais recursos para viabilizar a substituição da floresta que no seu manejo e uso sustentável.

Apesar disto, algumas iniciativas surgidas nos últimos dez anos merecem destaque enquanto possibilidades de replicação e de assimilação como políticas públicas importantes para Amazônia.

No Acre, as quatro primeiras unidades de Reservas que foram criadas no âmbito do INCRA, na qualidade oficial de Projetos de Assentamento Extrativistas, possuem atualmente uma infra-estrutura social de educação e saúde, bem como dispõem de informações suficientes para elaboração de programas de desenvolvimento, graças à Cooperação Técnica, com recursos a fundo perdido, firmada entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Fundação de Tecnologia (Funtac) e o Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA). Uma cooperação iniciada em 1991 que teve sua segunda e frutífera fase encerrada recentemente.

A situação atual destas unidades se diferencia muito do seringal tradicional. A maioria delas já possui um embrião de serviços sociais de educação e saúde, informações que permitem orientar o aproveitamento de seus recursos naturais e, talvez o mais importante, um processo iniciado de organização política e para produção junto às comunidades residentes.

Por sinal, foi através dessa primeira cooperação internacional que foi possível a realização de uma leitura concreta do que seria o desenvolvimento sustentável para as Reservas Extrativistas, contida no que se chamou de MANEJO FLORESTAL DE USO MÚLTIPLO.

A base filosófica desta leitura pressupõe dois princípios: gestão comunitária e mudança do patamar tecnológico de produção.

Por gestão comunitária entende-se a necessidade de as próprias comunidades possuírem condições de administrar todo leque de ações a serem realizadas nestas unidades, com o máximo de independência relativa à intervenção institucional externa. Não significa um fechamento, mas pelo contrário, sua instrumentalização para ser capaz de compreender e conduzir seu relacionamento com o mundo da globalização.

Mas foi com relação à mudança do patamar tecnológico de produção que mais se avançou. As flutuações no mercado da borracha, após o auge da produção gomífera em 1911, acabaram com o sistema baseado nas “casas de aviamento” desestruturando sua comercialização, mas não alterou a “cultura de produção” do seringueiro que ainda obtinha 56% de sua renda – de equivalente a U$ 50 por mês – da venda da borracha e 44% da castanha-do-brasil (referência mês de setembro de 2.000).

Novas técnicas de extração, beneficiamento e comercialização de um leque variado de produtos de origem animal e vegetal, incluindo sementes, resinas, óleos, fármacos, frutas tropicais, fauna e outros, transformarão estas unidades em áreas de produção de especiarias, tal qual, mais de forma bem mais ampliada, com o que ocorreu com as “drogas do sertão” no século XIX.

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