O Acre vem construindo, com muito esforço, uma marca de sustentabilidade. Desde o final da década de 1980, os movimentos sociais, apoiados por um conjunto diverso de organizações do terceiro setor, conceberam as referências principais de um modelo de ocupação econômica e social da Amazônia, que tinha no ecossistema florestal sua maior e mais importante referência. Assumia-se, naquele momento, que a diversidade biológica existente no ecossistema e a presença de um elevado contingente de produtores extrativistas que sabiam manejá-lo, seriam as duas maiores vantagens competitivas da região.

Mudanças políticas alvissareiras, primeiro no Amapá e depois no próprio Acre, transformaram essa reivindicação da sociedade em demanda política e a promoção de uma economia florestal ganhou reforços de um conjunto variado de políticas de Estado. No caso do Acre, essa transformação radical no jeito de olhar a floresta, contribuiu ainda para eleger uma nova geração de políticos, que vem gerindo os destinos do estado nos últimos e, tudo indica, nos próximos anos. O investimento na implantação do manejo florestal e na expansão da base territorial destinada à produção florestal, amplia-se ano após ano e a participação relativa do setor florestal na economia local em breve irá superar a agropecuária.

Mas, um entrave histórico atrapalha o desenrolar de uma produção florestal em nível de colocação de seringueiro. Trata-se da possibilidade de introduzir, no modo extrativista de produção, reforços financeiros que pudessem ser recuperados e reinvestidos indefinidamente. A tradicional desmonetarização da economia no interior da floresta, que desde a época do primeiro ciclo da borracha se baseia no escambo e, mais recentemente, a cultura dos recursos de projeto a fundo perdido, fizeram surgir um gargalo insuperável e perigoso na viabilização de uma produção florestal junto ao pequeno produtor extrativista: a oferta de recursos financeiros na forma de microcrédito.

A idéia principal do microcrédito é a oferta de recursos financeiros ao, seguramente, maior contingente de produtores rurais existentes no Acre. Estima-se uma clientela de aproximadamente 30.000 famílias de extrativistas, que vivem no interior do ecossistema florestal e dependem de seu manejo para sua sobrevivência.

São gerações após gerações que desde o final de século dezenove vem mantendo uma relação produtiva com o recurso florestal. São mais de trezentos anos de ocupação produtiva da floresta que consolidou uma dupla dependência: os extrativistas sobrevivem do recurso florestal e a floresta sobrevive do extrativista. Afinal é o extrativismo, evidente que elevado tecnologicamente ao manejo florestal de uso múltiplo, a principal alternativa produtiva e, ao mesmo tempo, barreira para impedir o avanço do, já descontrolado, desmatamento.

Essa clientela maneja um leque variado de produtos da floresta, todos inseridos na moldura da tecnologia do manejo de uso múltiplo. A variedade de produtos é do tamanho da diversidade biológica da Amazônia. Estão incluídos nesse leque de produtos os pescados, a fauna silvestre, as resinas, as frutas, as gomas e assim por diante.

Cada grupo ou segmentos produtivos desses se diversificam em várias espécies, vegetais ou animais, com dinâmicas produtivas e realidades de mercado próprias. A título de exemplo, a fauna silvestre pode ser manejada para produzir a queixada (nosso javali), de consumo em mercados mais populares e de maior escala. Mas também se pode orientar o manejo para produção de paca, de consumo em mercados mais caros e menores. Ou ainda para produzir capivara e cateto, que flutuam entre uma e outra dinâmica.

Mas também pode ser orientado para produção de borboletas. O manejo de borboletas é facílimo com econômico relativamente rápido. O potencial inexplorado do Alto Juruá para produção de borboletas chega a ser constrangedor.

A indústria do microcrédito, iniciada na Índia, já foi largamente estudada no Brasil e seus efeitos são surpreendentes. Pode e deve ser utilizada para produção florestal oriunda do manejo comunitário. A adequação desse tipo de produtor e de produção ao conceito do microcrédito é facilmente assinalada.

Por fim, todas essas possibilidades produtivas, descritas acima, podem ser transformadas em linhas de financiamento de curto, médio e longo prazos, formando uma Carteira de Microcrédito Florestal, que deve ter duas prioridades: permitir o acesso dos extrativistas ao crédito, por meio do uso de garantias de relacionamento entre o agente e o tomador do empréstimo; e promover uma produção florestal que esteja inserida nos ideais de sustentabilidade atualmente preconizados.

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