Mesmo no Acre, onde foram idealizadas, poucos devem entender o que são as reservas extrativistas – e bem menos ainda compreendem a importância dessas áreas protegidas para a sustentabilidade ecológica da Amazônia.

Sem medo de errar, ou de exagerar, pode-se dizer que a concepção dessa categoria especial de unidade de conservação, em 1990, no Acre, representa um marco histórico no estudo da ocupação produtiva da região.

Na verdade, para aqueles que prezam pela precisão, esclareça-se que em 1988, também no Acre, um conjunto de projetos de assentamentos extrativistas (PAE) foi criado no âmbito do Programa Nacional de Reforma Agrária. Esses projetos, gerenciados pelo Incra, são tidos como precursores das reservas extrativistas.

Diante do trágico assassinato de Chico Mendes, ocorrido em dezembro daquele ano, a criação de PAEs ganharia força em toda a Amazônia.

Todavia, sendo o Incra especialista em assentamento de colonos, não tinha tradição na novidade representada pela regularização fundiária de posseiros extrativistas.

Diferentemente dos colonos, que podem obter o domínio definitivo de suas terras, no caso dos extrativistas a regularização possessória ocorre por meio de contrato de concessão de direito real de uso, instrumento que até então era pouco empregado no meio rural da região.

Para um número expressivo de ambientalistas, brasileiros e de outros países, o Incra não daria conta do recado.

Claro que a pouca vontade do órgão para recepcionar essa modalidade pioneira de ocupação produtiva de terras cobertas por florestas culminou por reforçar a tese de que a solução seria levar a demanda dos extrativistas para a jurisdição da Política Nacional de Meio Ambiente.

Havia um contratempo institucional no caminho, já que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação ainda não existia – o marco legal para a segregação de áreas na forma de unidades de conservação viria a ser introduzido apenas em 2000.

Sem embargo, em 18 de julho de 1989 foi promulgada a Lei 7.804, que incluiu entre os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.838/1981) “a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas” (art. 9º, IV).

A regulamentação veio em janeiro do ano seguinte, via Decreto 98.897/1990, que definiu as reservas extrativistas como “espaços territoriais destinados à exploração autossustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por população extrativista”.

Menos de dois meses depois, em março, o Decreto 99.144/1990 criou a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, abrangendo 8 municípios e a estupenda área de quase um milhão de hectares.

A primeira reserva extrativista do país e do mundo se tornava realidade.

Contando com a empolgação de parte considerável dos pesquisadores que atuavam na área florestal da Amazônia e dos analistas ambientais do recém-criado Ibama, a reserva extrativista se transformaria em diferencial importante da política ambiental brasileira.

Dali em diante, favorecidas pela recepção calorosa obtida no meio técnico-científico, as áreas de floresta segregadas sob essa categoria de unidade de conservação se multiplicariam.

As reservas extrativistas foram levadas para todo o país, chegaram aos pescadores e começaram a ser instituídas também em âmbito estadual.

Menos no Acre. Curioso que reservas extrativistas estaduais foram criadas em Rondônia, Amazonas, Pará e Amapá, mas as 5 reservas extrativistas que existem no Acre, onde o modelo foi concebido, garantindo a conservação de aproximados 2,5 milhões de hectares de florestas, são iniciativa do governo federal.

Gerar riqueza por meio da exploração sustentável da biodiversidade florestal da Amazônia está, para usar um jargão da moda, no DNA da reserva extrativista.

Há 30 anos, houve um momento propício para consolidar a vocação florestal do Acre. Lamentavelmente, faltou liderança política que entendesse.

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