Usando a tese do Triangulo de Governo, concebida na década de 1970 pelo chileno Carlos Matus, para analisar a guinada política ocorrida no Acre em 2018, percebe-se que o vértice da Capacidade de Governo, da Governabilidade e do Projeto de Governo não avançaram em equilíbrio.

Acontece que, como analisado em artigos anteriores, o Projeto Florestania optou pela generalidade sendo omisso em decidir entre o apoio ao agronegócio da pecuária extensiva ou ao uso econômico da biodiversidade florestal como referência para o modelo de desenvolvimento.

Sem contar com a orientação e determinação dos líderes políticos que conquistaram cinco sucessivos mandatos eleitorais, o embate biodiversidade versus pecuária no Projeto Florestania foi vencido no momento da execução segundo o pensamento de cada equipe de técnicos que atuava em órgãos distintos.

No conhecido salve-se quem puder, em um primeiro momento a maior parte dos especialistas atuou de modo a promover a força econômica da biodiversidade florestal e após o primeiro mandato, de uma hegemonia que durou 20 anos, descambou para o apoio à criação extensiva de boi.

Por sinal, quando chegou em 2018 e nos quatro anos depois em 2022, a equipe técnica que fornecia Capacidade de Governo ao Projeto Florestania deixou tanto de questionar a deficitária economia da pecuária quanto de defender a saída pela floresta.

Desculpe leitor, mas cabe aqui uma pergunta inevitável.

Se a equipe técnica que conduziu a Capacidade de Governo dos primeiros anos, mesmo com visível timidez, pendeu para o modelo de desenvolvimento da biodiversidade florestal e o desmatamento zero, qual a razão para voltar as atenções para o agronegócio da pecuária no período posterior a 2006?

Diante de tal complexidade, a resposta exige uma avaliação mais detalhada com relação ao perfil dos especialistas que conduziram a Capacidade de Governo entre 1999 e 2018, o que foge ao escopo desse tipo de artigo.

Há, contudo, duas variáveis de peso considerável nessa análise: a aprovação do Zoneamento Econômico-Ecológico, ZEE, e os necessários empréstimos bancários demandados para pavimentar ruas e construir a infraestrutura requerida pelo desenvolvimento econômico do Acre.

Deixando a discussão sobre o ZEE para mais adiante, conseguir captar os recursos junto ao competitivo sistema financeiro, em que organizações do porte do Banco Mundial (Bird), BNDES e Banco Interamericano (Bid) recebem centenas de projetos todos os anos, requereu do governo do Acre metas rígidas e verificáveis para alcançar o desmatamento zero.

Vários foram os apoios financeiros, reembolsáveis e a fundo perdido, emprestados e doados respectivamente, captados entre 1999 e 2001, por meio de projetos considerados inovadores pelos analistas de crédito dos bancos.

Desnecessário reiterar que em todos os projetos elaborados nesse período a sustentabilidade e o respeito ao meio ambiente, traduzidos como redução do desmatamento era a peça-chave.

Não à toa, todas as notas de rodapé das propostas traziam a máxima de um desenvolvimento viável para economia, sem desmatamento ou equilibrado do ponto de vista ecológico e socialmente justo.

Por óbvio, a marca com o diferencial ecológico alcançado pelo Acre em sua histórica defesa da floresta, em que figuram heróis como Chico Mendes, convenceu os agentes financeiros a destinarem expressivas quantias ao setor primário do Acre.

BNDES, Bird e Bid, os três maiores financiadores do desenvolvimento no Acre, apostaram na saída econômica pela biodiversidade florestal se tornando fiel da balança para que a Capacidade de Governo seguisse nesse rumo.

Políticas públicas aprovadas na fase inicial do Projeto Florestania incluíram a construção da indústria de pisos, da Natex, de algumas usinas de borracha e de Castanha-da-Amazônia, além do polo moveleiro e aprovação de quase 20 mil hectares de manejo florestal comunitário. Todas com apoio da tríade BNDES, Bird e Bid.

Pode-se afirmar, sem medo de errar, que o argumento da exploração econômica da biodiversidade florestal foi o que diferenciou o Acre e atraiu esse seleto grupo de investidores.

Improvável, no mínimo, que a tríade arriscasse sua reputação financiando uma atividade econômica que, de maneira direta ou sinuosa, destruísse a floresta.

Porém, após aprovação do ZEE a influência da tríade se reduziu e a equivocada racionalidade eleitoral levou a Capacidade de Governo para o agronegócio do boi.

Mas isso é outro artigo.

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