Quem conhece os seringais nativos da Amazônia sabe das dificuldades para se realizar atividades relacionadas à organização das comunidades, sejam elas atividades de cunho político, ou de planejamento da produção. Além do modo de dispersão das famílias e das suas unidades de produção – as colocações -, no interior do ecossistema florestal, o extrativista está habituado a certo grau de isolamento.

No Acre, por exemplo, as colocações não são agrupadas em vilas ou adensamentos; são, ao contrário, afastadas uma das outras, com distância média de duas horas de caminhada. Se de um lado essa distribuição facilita o domínio individual do território da colocação pelo produtor, por outro, dificulta sobremaneira a implantação de serviços de educação, saúde, extensão florestal e assim por diante – sabe-se que qualquer atividade a ser realizada demandará horas de caminhada.

Essa dispersão associada ao elevado grau de migração interna (o extrativista muda de colocação com muita facilidade) são apontadas como as principais razões operacionais que inviabilizariam um amplo e adequado programa de organização comunitária, fundamental para a construção do que se chamou, ainda na década de 1990, de Projeto Participativo. A idéia principal era a de que as comunidades pudessem se envolver na definição e na execução de ações de políticas públicas voltadas para a melhoria de sua qualidade de vida. Por diversas razões, tanto de ordem operacional, quanto política e mesmo cultural, o projeto participativo não se realizou na forma como previam as expectativas.

Gestores de recursos públicos e de agências de cooperação atribuíram o fracasso do sonho participativo ao que chamaram de ausência de qualificação da demanda. Não obstante, entendeu-se, à época, que, independentemente do avanço no processo de participação, seria possível agregar os produtores em volta da gestão comunitária de empreendimentos.

Nessa nova perspectiva de organização comunitária, o objetivo principal seria intervir em três pontos cruciais da produção florestal na Amazônia. Em primeiro lugar, na figura do atravessador, considerado então o mal dos males. Fosse revestido na forma de marreteiro, comboieiro, e até na do patrão, todo ator social que ligasse o produtor às usinas de beneficiamento era o vilão que auferia os lucros responsáveis pela miséria do extrativista.

Em segundo lugar, na verticalização da produção. Vale dizer, o caminho mais sensato para agregar valor à produção florestal e manter os lucros nas próprias comunidades seria o próprio extrativista ir da extração à venda do produto final.

Por fim, na gestão das usinas de beneficiamento de borracha e de castanha-do-brasil, que deveria ser da competência da própria comunidade. Considerava-se, então, que a gestão comunitária não só seria possível, como inauguraria uma nova fase no processo de industrialização da produção florestal, com o produtor extrativista conquistando definitivamente sua autonomia socioeconômica e política.

Obviamente que, da mesma forma que o projeto participativo não avançou, porque seus entraves não foram resolvidos, a gestão comunitária de empreendimentos florestais na Amazônia fracassou retumbantemente. A falência generalizada – com raras exceções – das usinas colocadas sob gestão coletiva, sobretudo nas Reservas Extrativistas, demonstrou o quanto de travas ainda precisavam ser desfeitas para que a gestão comunitária pudesse ser viabilizada.

E eis que – mesmo sem se sobreviver às mazelas da gestão comunitária, mesmo sem se solucionarem os graves problemas de qualificação de demanda – surge, do nada, mais uma novidade: o tal do empoderamento.

Provavelmente oriundo da tecnocracia comum nas agências de cooperação multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano, o termo “empowerment” foi tupiniquinizado na sofrível expressão empoderamento.

Significa mais que gestão comunitária e muito mais que participativo. Significa empoderar-se. Sugere algo como assumir o PODER dos projetos, das opções produtivas, do escoamento, do armazenamento, da comercialização, em suma, do próprio destino.

Depois de tudo, a pergunta é simples: isso existe?

Download .DOC

xxxx