Muitos vão apelar para os resultados apontados pelos índices pluviométricos, chegando à constatação de sempre “que nunca choveu tanto num mesmo dia”. Outros, invocando a vontade divina, haverão de acusar São Pedro por ter exagerado na quantidade de água que fez jorrar do céu. E há ainda os que considerarão o evento uma mera casualidade, uma espécie de fenômeno inexplicável que pode ocorrer, digamos, a cada cem anos.

Em todas essas hipóteses, a conclusão é uma só: a responsabilidade pela alagação ocorrida nos rios Muru e Tarauacá, no município de Tarauacá, Acre, em 7 de outubro último, é unicamente da própria chuva.

Pôr a responsabilidade na chuva, afinal de contas, torna tudo mais fácil. Ora, se a culpa é da chuva, não existem culpados. Além da costumeira comoção social, das ações de assistência aos desabrigados, dos pedidos de suplementação de verba, não há o que fazer, não há soluções a dar nem causas a investigar.

A busca pelas verdadeiras causas, de outra banda, exige certo nível de formação e de informação. Exige ainda determinação política – primeiro, para admitir o problema; depois, para resolvê-lo. Mas, o fato é que, se não se chegar a essas causas, o evento tende a se repetir, da mesma forma como vem acontecendo com o rio Acre e com o rio Madeira.

Em Rondônia, por sinal, não só os céus são responsabilizados. A culpa também tem sido debitada (equivocadamente, diga-se) na conta das duas hidrelétricas construídas ao longo do rio, cuja instalação trouxe melhora significativa na dinâmica econômica local. Mas, como em Tarauacá não tem hidrelétrica, essa “justificativa” não vale nesse caso.

Enfim, ironias à parte, é necessário fazer um profundo trabalho de análise – com a ajuda de especialistas, evidentemente – para explicar o que ocorreu. E aí algumas premissas devem ser examinadas com atenção.

Nos últimos cinco anos, a pressão pela expansão da agropecuária na direção do Vale do Juruá, decorrente em especial da conclusão do asfaltamento da BR 364, ampliou-se de forma surpreendente, sem que os órgãos de controle ambiental se dessem conta do perigo.

Na verdade, os órgãos de controle ambiental ainda estão tentando entender a nova dinâmica do desmatamento. É que, se antes o desmatamento se localizava ao longo das rodovias e se caracterizava por grandes áreas, agora ocorre em pequenas propriedades (inferiores a seis hectares) e ao longo dos eixos dos rios.

Não dá para negar que as taxas de desmatamento e queimadas nos municípios de Manoel Urbano, Feijó e Tarauacá assumiram cifras arriscadas. Não à toa esses três municípios, juntamente com Cruzeiro do Sul, têm se revezado na lista dos 0 municípios que mais desmataram no período entre agosto de 203 e julho de 204.

Ademais, para promover a expansão da agropecuária no Juruá, políticas públicas foram desencadeadas no sentido de apoiar o produtor rural e melhorar o desempenho da economia com a instalação de indústrias baseadas no setor primário.

É óbvio que pluviosidades elevadas e concentradas vão trazer problemas de escoamento da água. Da mesma maneira, é evidente que o déficit de escoamento é multiplicado por mil quando a chuva cai num solo sem florestas.

Finalmente, é muito estreita a relação entre desmatamento e mudança climática. Essa constatação foi reiteradamente comprovada pelos cientistas em todo o mundo.

Parafraseando-se Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York: Alagação em Tarauacá em novembro – isso é mudança climática, estúpido!

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