Quem já teve o privilégio de viajar de batelão pelos rios Purus, Juruá e Acre, para ficar nos tributários da margem direita do rio Amazonas, provavelmente deve ter estranhado a presença de pastos às margens dos rios.

Para um observador atento, o domínio econômico da atividade pecuária, distribuída em pequenas propriedades rurais ao longo do rio, não passa despercebido.

Embora se constate significativa lacuna de informações a respeito da pecuária bovina praticada por produtores ribeirinhos em território estadual – o que deixa sem resposta questões elementares, como tamanho do plantel e densidade de animais por hectare de pasto –, é um tanto evidente a disposição do produtor para ampliar o plantio de capim até o rio, mesmo quando faltam animais para ocupar toda a área de pasto de que dispõe.

Na condição de APP (área de preservação permanente), a mata ciliar goza de proteção legal, não podendo ser usada para nenhum tipo de atividade produtiva. Dessa forma, e como estabelece o Código Florestal, uma faixa de floresta com largura mínima de 30 metros (que pode ser maior, dependendo da largura do corpo d’água) deve ser obrigatoriamente mantida nas margens dos rios e igarapés.

Significa dizer que todos os produtores que levaram seus pastos até a beira do rio estão infringindo o Código Florestal. Caso suas propriedades estejam com a situação fundiária regularizada (o que não é muito comum), terão que se comprometer com a restauração florestal da mata ciliar.

Um quadro complexo, por óbvio, que se arrasta há pelo menos 50 anos e parece sem solução – e que vem se agravando, na medida em que os igarapés mais significativos, tributários dos rios de maior vazão, também têm sido atingidos. A mata ciliar destruída nos igarapés intensifica o assoreamento dos rios e compromete a capacidade de carga em toda a bacia hidrográfica.  

Muitos municípios do Acre, se não todos, apresentam esse mesmo cenário.

Em Xapuri, um projeto recente, executado por uma organização não governamental com recursos da Fundação Banco do Brasil, levou a efeito estudo minucioso no igarapé Santa Rosa, que atravessa o município e recebe mais de 70% do esgoto domiciliar da cidade, sem tratamento.

Como demonstra esse estudo, no trecho rural do Santa Rosa, que corresponde a 60% do traçado do igarapé (cuja foz é no rio Acre), 90% da mata ciliar nativa foi substituída por capim para criação extensiva de gado.

Isto é, na porção rural a ausência da mata ciliar impossibilita o equilíbrio hidrológico do igarapé, e na urbana, o esgoto transforma a água em uma pasta viscosa e fedida.

A boa notícia é que existem tecnologias de baixo custo voltadas para a restauração florestal da mata ciliar (nos trechos rurais de rios e igarapés) e  tratamento do esgoto domiciliar (nos trechos urbanos). Tecnologias que estão disponíveis e são de domínio público.

Todavia, o emprego dessas tecnologias depende da decisão dos gestores, no sentido de destinar a essa finalidade recursos orçamentários do município, do estado ou do governo federal.

Mas, enfim, a pecuária extensiva é, de longe, o maior problema nos rios e igarapés do Acre e da Amazônia.

Houve um tempo em que muitos – inclusive ambientalistas – defendiam a pecuária extensiva praticada pelo pequeno produtor, sob o argumento de que, nesse caso, limitando-se o plantel a 50 cabeças no máximo, os danos ambientais seriam insignificantes.

Essa premissa se mostrou flagrantemente falsa.

Atualmente, o desmatamento no Acre está estreitamente vinculado à pecuária extensiva, ao ribeirinho e ao agricultor familiar.

O poder público tem dificuldade para lidar com essa realidade por duas razões: os gestores não conseguem desagradar o pequeno agricultor familiar, com receio de perder votos na classe média urbana – o que é insólito, mas verdadeiro; e de maneira geral as administrações não dispõem de equipe técnica para atuar nas pequenas propriedades.

Resumindo, existem soluções, mas faltam vontade política e equipe técnica, isso sim, inexistente no Acre.

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