Em 2019, quando o sistema “Deter” – que detecta em tempo real situações de desmatamento ilegal – alertou para a preocupante escalada assumida pela destruição florestal, os gestores federais, numa flagrante combinação entre incompetência e insensatez, passaram a desacreditar o Inpe (um órgão público!), e o presidente do instituto foi exonerado de forma despropositada.

A partir daí, a divulgação dos índices anuais vem sempre acompanhada de certo frenesi – uma apreensão, pode-se dizer, tanto em relação à postura quanto à capacidade do órgão para desempenhar as atribuições de mensurar a devastação da floresta amazônica e de dar publicidade aos números apurados.

Essa apreensão, porém, se mostrou infundada. Sob notável profissionalismo, o Inpe, como faz desde 1988, continuou a observar o cronograma de publicação da taxa anual de desmatamento – que, por sinal, é contabilizada por meio de outro programa, batizado “Prodes”, que abrange o monitoramento efetuado em  12 meses de medição, sendo bem mais instrutiva e elucidativa do que os alertas mensais do sistema Deter.

Trata-se de um indicador crucial, que auxilia na atuação de um variado leque de instituições para a definição de diretrizes e políticas públicas na área ambiental.

Se por um lado o Inpe se destaca por sua eficiência, mantendo sua renomada marca, por outro, a imprensa (e também o governo, obviamente) parece não atinar para o conteúdo das valiosas estatísticas produzidas.

Sendo sucinto, o negócio é o seguinte: os dados fornecidos pelo Inpe demonstram claramente uma tendência de elevação do desmatamento, iniciada a partir de 2012 (único ano em que uma área inferior a 5.000 km2 foi atingida), com força inercial suficiente para provocar novos recordes, como os que ocorreram em 1995 e 2004, quando foram desmatados mais de 25.000 km2 de florestas na Amazônia.

Todavia, longe de atentar para esse progressivo avanço e, consequentemente, para o risco de regressão àqueles patamares de devastação – o que não é admissível, em especial depois da celebração do Acordo de Paris, em 2015 –, a imprensa se perde em distrações, a começar pela diferenciação entre desmatamento ilegal e legalizado, como se o problema se restringisse apenas ao ilegal e, portanto, à falta de fiscalização.

Quando a taxa de 2020 foi divulgada, em novembro daquele ano, evidenciando novo aumento do desmatamento, o assunto que agitou as redações foi a notícia de que o governo estava satisfeito – já que esperava uma cifra maior. Ou seja, o que causou espécie foi a reação do Planalto e não o contínuo crescimento da destruição florestal.

Agora, em novembro de 2021, o Inpe, cumprindo religiosamente sua agenda, anunciou os índices para o período de 1/8/2020 a 31/7/2021, tendo apurado uma ampliação de quase 22%, em relação ao índice anterior.

Mais uma vez, contudo, essa ampliação ficou em segundo plano – o que mereceu destaque na mídia foi a suspeita de que o governo já tinha conhecimento da taxa, antes mesmo de participar da COP 26.

Difícil entender o motivo do alvoroço em torno do sabia x não sabia, quando é notório que, em todo o mundo, os governos têm acesso às informações oficiais (ou seja, produzidas pelo próprio governo) antes de sua difusão ao público.

Mais do que normal, essa antecipação é necessária, já que políticas públicas eficientes dependem disso mesmo, de informação e planejamento, e ninguém deseja que os gestores, responsáveis pela implementação das políticas públicas, sejam pegos desprevenidos – de calças curtas, como se diz.

Provavelmente, os jornalistas buscam, ao abordar tais conteúdos, por indícios de corrupção – afinal, esse é o samba de uma nota só tocado no país. Mas, no fundo e quase sempre, tudo não passa de pura distração.

Enquanto o governo não sabe usar a informação e a imprensa só busca por corrupção, o desmatamento segue se alastrando sobre a floresta.

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