Diante das novas características do clima (embora muitos não acreditem, é fato que o clima não é o mesmo), com consequências drásticas no regime de chuvas (é fato que a distribuição das chuvas não é a mesma), e, por conseguinte, na vazão dos rios (é fato que a vazão dos rios não é a mesma), parece razoável discutir as novas atribuições que se impõem às administrações públicas.

As estatísticas demonstram, com elevado grau de precisão, que, na Amazônia, o equilíbrio hidrológico dos rios atingiu outro patamar, o que significa que poderá haver, a cada ciclo completo de duas estações climáticas (verão e inverno para os amazônidas), excesso de água nas cheias e carência na seca.

Ocorre que (para usar o exemplo do rio Acre) desde o final da década passada – ou seja, a partir de 2009, quando as cotas desse curso d’água estacionaram num mínimo em torno dos 6 metros no período das cheias –, as alagações e secas extremas têm sido recorrentes. Mais grave ainda, as alagações estão batendo recordes, e as secas devem seguir esse caminho.

Essa realidade precisa ser assumida pela sociedade e, acima de tudo, pela gestão pública. Os técnicos que planejam as ações governamentais, na esfera estadual e municipal, devem contemplar uma perspectiva crucial: os canais de escoamento superficial das águas (rios, igarapés e outros) passaram, ao longo dos últimos 50 anos e com muito mais intensidade nos últimos 20, por um processo ininterrupto de degradação.

Essa degradação é evidente na beira dos rios, num tipo especial e importante de formação florestal – a mata ciliar.

O desmatamento da mata ciliar ocorre por várias razões, mas, sobretudo, para dar lugar à criação de gado ou simplesmente para liberar o trajeto que o boi faz até o rio, no intuito de beber os 36 litros de água que consome diariamente.

Sem a barreira fornecida pela mata ciliar, todos os anos o rio recebe toneladas de areia, terra preta e barro (para citar os principais sedimentos) – uma quantidade que não tem vazão para transportar e que termina no fundo do leito, reduzindo o calado e causando o que os técnicos chamam de assoreamento.

Formar barreira para impedir o assoreamento e, desse modo, melhorar a quantidade e a qualidade da água que flui no rio é uma das funções mais significativas da mata ciliar, mas não a única. Há que se considerar sua importância para a fauna, tanto da terra quanto do rio, bem como os efeitos paisagísticos que proporciona.

Não à toa as funções desse tipo especial de floresta estão previstas e amparadas numa série de dispositivos legais, inclusive no Código Florestal de 2012.

Reforçam a exposição dos rios à degradação a ampliação da densidade demográfica, a demanda por água potável e, talvez o mais grave, as insistentes taxas de desmatamento medidas ao longo da bacia hidrográfica.

Com baixa resiliência, o rio perde a capacidade de assimilar e de reagir, de modo rápido, às flutuações extremas de vazão. A perda de resiliência é, sem dúvida, o efeito mais perverso para os rios submetidos a um processo longo e ininterrupto de degradação.

A ampliação da resiliência dos rios deve ser promovida de forma prioritária pela política pública, e a boa notícia é que existe capacidade técnica para isso. A restauração florestal da mata ciliar e o manejo dessa floresta para aumentar a quantidade da água que flui no rio e diminuir o seu nível de turbidez são procedimentos dominados pela engenharia florestal.

A ampliação da resiliência dos rios pode evitar, no futuro, a drástica e caríssima alternativa da canalização do canal com concreto armado. Mas tem que ser já.

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